Assédio Moral é debatido em evento da Unicamp


assedioTodos no departamento recebem um e-mail que, não se sabe como, não chega para aquele funcionário. O mesmo funcionário que só fica sabendo que houve uma reunião depois que ela terminou e que, por acaso, encontra todos os colegas que estavam muito ocupados para almoçar com ele, juntos, no restaurante. O isolamento é a tática de assédio moral mais usada no ambiente de trabalho. Primeiro sinal de um processo tenso e extremamente doloroso que, pode inclusive acabar em morte. Não são poucos os casos de suicídio de trabalhadores que passaram por situações de humilhação constantes no local onde, obrigatoriamente, tem que estar todos os dias.
As informações e opiniões são do professor Roberto Heloani, da Faculdade de Educação (FE) da Unicamp, que deu uma palestra sobre o tema no segundo evento “Refletir: Encontro Permanente sobre vivência e gestão na Unicamp”, realizado pela Coordenadoria Geral da Universidade (CGU), com apoio da ADunicamp e do STU, nesta quarta-feira, 25. Com o auditório do Centro de Convenções (CDC) lotado Heloane discutiu um assunto que vem sendo abordado por ele há quase duas décadas.
O assédio moral mudou muito nesse período. Melhor dizendo, cresceu, ganhou vulto, e importância. Sobretudo nos três pilares do Estado: saúde, segurança e educação. “Vivemos em um modelo de gestão que prega a avaliação, o estabelecimento de metas e o individualismo e não a cooperação. A ideia de coletivo foi assassinada no trabalho”, afirma o professor. Logo a universidade, que deveria ser um lugar de fraternidade, pontua, é onde mais cresceu a violência simbólica junto das instituições de saúde e segurança. “Estamos subordinados a um modelo de competição, que destrói o outro”.
O professor Alvaro Crósta, coordenador geral da Unicamp, que conduziu a mesa de abertura do evento, reiterou em vários momentos, o compromisso da Unicamp em discutir e encaminhar os casos de assédio moral na Universidade. “O recado aqui é muito claro. Nós não aceitamos ações de assédio moral na nossa universidade. Há uma discussão muito presente sobre formas de assédio dentro da universidade. Precisamos fazer uma reflexão, do ponto de vista acadêmico inclusive, do que é, quais são as formas de assédio moral e como combatê-las”.  Crósta ressaltou que a ideia do evento foi trazer os atores envolvidos: as entidades representativas, a administração, a Reitoria, e um convidado que é especialista no tema “para que possamos estabelecer uma base comum de conhecimento”.
TAC
Em setembro deste ano foi firmado entre a Unicamp e o Ministério Público o Termo de Ajuste de Conduta (TAC) nº 303.2015, que reforçou o cumprimento, por parte da universidade, da legislação trabalhista a respeito do problema. Pouco depois, a Diretoria Geral de Recursos Humanos publicou a Instrução Normativa nº 003/2015, que orienta o servidor sobre como prevenir, apurar e denunciar as práticas abusivas (principalmente o assédio moral), que podem ocorrer em seu ambiente de trabalho. O coordenador geral lembra que o TAC foi firmado após acordo com a participação das entidades representativas dos servidores docentes ou administrativos.
“A assinatura do TAC é uma garantia para o funcionário de que a Unicamp irá apurar a denúncia de assédio moral”, afirmou a representante do Sindicato dos Trabalhadores da Unicamp (STU), Elisabeth Cardozo. De acordo com ela, já houve discussões anteriores sobre o tema na universidade e a questão ganhou força a partir de 2010, com a realização de duas audiências públicas na Unicamp. “É importante que o servidor saiba que ele tem um canal para que a denúncia seja feita e apurada. Durante o trâmite do processo o sindicato está ao lado do funcionário, fazendo todo o acompanhamento”.
Da mesma forma, Paulo Cesar Centoducatte, presidente da Adunicamp – Associação dos Docentes da Unicamp, ressaltou que a entidade oferece todo o apoio necessário àqueles que a procuram. “O assédio moral precisa ser apurado com todo rigor e punido, só assim irá acabar”. Centoducatte acrescentou que as campanhas que esclareçam sobre o tema também são necessárias: “muitas vezes o próprio assediador não tem consciência disso; ele precisa ser alertado”.
A revisão de valores, o cultivo de comportamentos pautados na ética e no companheirismo são alternativas apontadas por Maria Aparecida Quina de Souza, coordenadora da DGRH. Ela explicou passo a passo como são encaminhadas as denúncias de assédio moral no órgão da administração. Há casos em que o servidor, mesmo procurando a DGRH, não quer formalizar a denúncia e mesmo estes são acompanhados por um período.
Quando a denúncia é formalizada há as etapas de apuração e de escuta dos envolvidos para no final ser aberta ou não uma sindicância. “Somos nós que encaminharemos ao Ministério Público os relatórios de quantas denúncias foram feitas e apuradas e quais são assédio moral”. A coordenadora informou que em 2015, até agora, a DGRH recebeu 17 denúncias e sete delas já estão praticamente concluídas, sendo que duas delas levaram a sindicâncias. Três casos estão em fase de mediação e há ainda sete em andamento.
Palestra
Roberto Heloane começou a palestra afirmando que “precisamos firmar um compromisso com a gente mesmo para que o assédio moral seja visto como uma aberração”. Não se trata de uma questão individual como muitos advogados de empresas querem fazer crer, disse o professor. “Não se pode individualizar uma questão que é do trabalho e das organizações”, salientou.
De acordo com o professor e pesquisador do tema, há equívocos em conceituar como assédio o que muitas vezes é uma discriminação. “A discriminação que pode ser por raça, ideologia, ou outros motivos é uma violência também passível de punição, mas não é assédio”. O ambiente discriminatório passa a ser, no entanto, ambiente fértil para o florescimento das formas de assédio e corrupção. “As discriminações são a raiz do assédio moral”.
Heloane em sua apresentação, define da seguinte maneira o assédio moral “é uma conduta abusiva, intencional, frequente e repetida, que ocorre no ambiente de trabalho e que visa diminuir, humilhar, vexar, constranger, desqualificar e demolir psiquicamente um indivíduo ou um grupo, degradando as suas condições de trabalho, atingindo a sua dignidade e colocando em risco a sua integridade pessoal e profissional”. Não se trata de um simples desentendimento, frisou o docente.
O palestrante reconheceu que há um esforço por parte de determinadas instituições para coibir e punir a violência simbólica no trabalho e destacou que geralmente, o funcionário que sofre assédio é um bom funcionário. “Comumente são pessoas qualificadas, que são bons profissionais e que não suportam esse tipo de injustiça”.
Como formas de tornar mais saudável o ambiente do trabalho, Heloane ressalta que, quando forem realizadas avaliações de funcionários, que elas sejam respeitosas, por pior que tenha sido o desempenho do empregado. “Se a sua avaliação está humilhando alguém é ilegal”. A questão do estabelecimento de metas difíceis ou impossíveis de serem cumpridas também compromete o bom andamento das relações de trabalho. Heloane informou que não somente o assédio moral do chefe aumentou, como também o chamado assédio vertical, ou seja, aquele praticado pelos colegas. “Temos um conjunto de pessoas adoecidas pelo trabalho na nossa sociedade. Um grande erro que podemos cometer é tentar esconder o problema”.
Fonte: Patrícia Lauretti (ASCOM)
Foto: Antônio Scarpinetti


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