Consultores Legislativos comprovam efeitos devastadores da PEC 55


Do Jornal GGN
Em publicação pouco divulgada pelos jornais, consultores Legislativos do Senado comprovam os resultados desastrosos nos investimentos sociais da PEC 55, que impõe o Teto dos Gastos Públicos. Dois acadêmicos, um doutor em Economia e outro mestre em Direito pela Universidade de Brasília (Unb), mostram que a proposta não apenas é inconstitucional e fere cláusulas pétreas da Carta Magna, como também terá efeitos “devastadores” nas políticas públicas.
As pesquisas foram publicadas no Boletim Legislativo. Apesar de trazer os posicionamentos dos autores dos artigos, a publicação do Núcleo de Estudos e Pesquisas da Consultoria Legislativa do Senado tem como objetivo assessorar, orientar e avaliar legislações discutidas no Congresso Nacional.
Sem periodicidade específica e publicado conforme as “necessidades” e “demandas” das pautas atuais, os dois artigos produzidos em novembro trazem o mesmo tema: a Proposta de Emenda à Constituição nº 55, que congela a despesa total do governo federal em termos reais por 20 anos.

Devastará a economia
Em termos de economia, o consultor Pedro Fernando Nery, especialista na área de  Economia do Trabalho, Renda e Previdência revela com gráficos, cálculos e estimativas concretas que a PEC 55 exigirá uma Reforma da Previdência. Caso contrário, “o efeito sobre outras políticas públicas e o investimento público seria devastador”.
Isso porque, com a PEC 55 aprovada, conforme prevê o governo e a grande base aliada de Michel Temer no Senado, a União passaria a ter de 56% do total de seus gastos em Previdência em 2017 (um valor já considerado muito alto), para 77% em 2026.
Em outras contas, isso significa que, com o teto e sem reforma da Previdência, todas as despesas do governo federal, excluindo a Previdência, que em 2017 deveriam ocupar 45% do orçamento, deverão caber em somente 25% em 2026.
“Anedoticamente, neste cenário ilustrativo, a partir de meados da década de 2030 chegaríamos ao extremo da União pagar apenas despesas previdenciárias (na ausência de reformas, mudança do indexador e com o teto sendo estritamente cumprido)”, informa Pedro Nery.
A análise do consultor doutorando em Economia vai além para as consequências: se o Teto for respeitado e não ocorrer uma reforma na previdência, seria “a concretização do cenário de ‘canibalização dos gastos sociais'”, fazendo referência aos investimentos para reduzir a pobreza e a desigualdade de renda.
Em outro cenário não menos assustador, se o governo aprova a PEC mas não consegue cumprir o teto estabelecido, entra em jogo as chamadas “vedações” previstas pela medida, que são as reduções nos reajustes de remunerações do serviço público, na criação de cargos e outros gastos do funcionalismo e, por último e o mais importante, o impacto no aumento real do salário mínimo.
Assim, pelo texto aprovado pelos deputados, se o teto não for respeitado e as medidas de redução de gastos no funcionalismo não forem suficientes, é o salário mínimo que sofrerá as consequências e, automaticamente, a Previdência também será afetada.
Mas a conclusão é ainda mais impactante: os dois alternativos cenários podem não ser restritivos um do outro. Colocando no lápis o crescimento natural da população brasileira, “é plausível que elementos dos dois cenários sejam observado”, ou seja, a reforma da Previdência, um grande impacto nos investimentos públicos, redução do salário mínimo, e novamente mais impacto na Previdência, sendo difícil fechar as contas.
Inconstitucional em todos os preceitos
No que se refere ao Direito, o consultor Ronaldo Jorge Araujo Vieira Junior, mestre em Direito e Estado pela Unb e ex-Consultor-Geral da União da Advocacia-Geral da União (2007-2010), pede a interrupção da PEC 55 no Senado, porque a sua aprovação pode significar o fim de cláusulas pétreas da Constituição, envolvendo desde o direito ao voto secreto, garantias individuais e a separação de Poderes.
A análise traz como base o texto aprovado na Câmara do Novo Regime Fiscal e introduz a importância que o documento deve ser considerado pelo Congresso, para se garantir a constitucionalidade de emendas que tramitam no Legislativo.
E alerta: ainda que aprovada na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado, onde se verifica se fere ou não a legislação brasileira, o Supremo poderá paralisar a PEC, com base nossa Constituição, bastando que um deputado ou senador entre com um mandado de segurança no STF.
“O Novo Regime Fiscal – que consiste, em síntese, no estabelecimento de limites individuais de despesas primárias para os próximos vinte exercícios financeiros para Poderes e órgãos da União com base na despesa paga, no ano de 2016, corrigida anualmente pela inflação apurada até junho do exercício anterior –, é medida draconiana que possui graves consequências”, concluiu Ronaldo Vieira Junior.
Ao “estrangular e mitigar a independência e a autonomia financeira do Poder Legislativo e do Poder Judiciário e a autonomia financeira do Ministério Público da União e da Defensoria Pública”, por congelar as despesas, a PEC inviabiliza a atuação dos Três Poderes, ferindo a Constituição.
Outro ponto criticado é o artigo da proposta que estabelece que o Presidente da República pode propor apenas uma alteração do Regime Fiscal por ano e somente a partir do 10º ano da vigência, o que é uma “limitação absolutamente desarrazoada da prerrogativa que possui o Presidente da República de encaminhar projetos de lei ao Congresso Nacional”.
Além disso, o próprio congelamento dos investimentos é, para o pesquisador, uma violação ao princípio da segurança jurídica, ao estender “por um período de tempo absolutamente desarrazoado, as restrições e insuficiências hoje verificadas na implementação das políticas públicas”.
A PEC, por si só, também viola os princípios da razoabilidade, proporcionalidade, adequação e idoneidade, necessidade e exigibilidade. “Pelo fato de impor ônus demasiados aos por ela atingidos, especialmente os cidadãos mais pobres que dependem dos serviços públicos de saúde, educação, previdência e assistência social, pelo fato de congelar despesas que resultarão no sucateamento de políticas públicas redistributivas, a PEC nº 55, de 2016, deverá ser considerada inconstitucional, pois viola o subprincípio da proporcionalidade em sentido estrito”, citou em um dos pontos.
O consultor comprova, ainda, que a medida viola o voto direto, secreto, universal e periódico, com a seguinte conclusão: “Eliminar, como pretende a PEC nº 55, de 2016, a possibilidade de o Chefe do Poder Executivo – legitimamente eleito pelo povo, por intermédio do voto direto, secreto, universal e periódico – definir o limite de despesas de seu Governo significa retirar-lhe uma de suas principais prerrogativas de orientação, direção e gestão. (…) Em última análise, significa impedi-lo de exercer, em sua plenitude, o mandato que lhe foi conferido pela soberania popular, prevista no parágrafo único do art. 1º da CF.”
Para não deixar dúvidas de que a PEC 55 é inconstitucional, Ronaldo Vieira Júnior destaca, ainda, que fere o princípio da vedação ao retrocesso social. “Constatamos, ao analisar a PEC nº 55, de 2016, a inexistência de quaisquer medidas compensatórias ou ‘esquemas alternativos’, no dizer de Canotilho, que pudessem mitigar a aniquilação dos direitos sociais promovida pelo congelamento de despesas primárias pelos próximos vinte anos, o que reforça a compreensão de estarmos diante de flagrante violação ao texto constitucional, que consiste na mitigação de direitos fundamentais, direitos esses considerados inatingíveis pelo inciso IV do § 4º do art. 60 da CF”, conclui.
Leia os dois documentos aqui e aqui.

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