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A opção ampla pela utilização da EaD (Educação a Distância), que vem sendo feito de forma improvisada e imediatista pelas políticas educacionais do governo Federal, de governos estaduais e municipais e por um grande número de instituições de ensino brasileiras, ameaça produzir uma precarização em todos os níveis do ensino e vai ampliar as desigualdades já acentuadas no sistema de ensino do país.
Estas foram algumas das conclusões apresentadas, nesta terça-feira, 07, por docentes que participaram do quinto debate da série sobre os impactos do novo coronavírus (Covid-19), realizados pela ADunicamp, e que teve como tema “Ensino à Distância no contexto da pandemia”. De acordo com os debatedores, a massificação da EaD no atual cenário de crise não é a alternativa adequada, e nem a única, para enfrentar o fechamento das instituições de ensino durante a quarentena.
Participaram do encontro as professoras Heloísa Lins, da Faculdade de Educação da Unicamp e integrante da Abalf (Associação Brasileira de Alfabetização); Solange Pozzuto, diretora da Apeoesp (Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo) e integrante do Fórum de Educação de Campinas; e o professor Salomão Ximenes, da UFAABC (Universidade Federal do ABC), com especialidade nas áreas de Direito e Políticas Públicas.
Para a professora Heloísa, a questão da EaD “nestes tempos de pandemia” leva a um debate “complexo e pantanoso”, uma vez que a questão da sobrevivência das pessoas se coloca em primeiro lugar.
“Seria um escândalo colocar a educação a distância, como está ocorrendo hoje, em condições normais de temperatura e pressão. Só estamos lidando com isso agora porque atravessamos um contexto extremo, em a que proteção da vida está colocada”. E é neste contexto, avaliou ela, que educadores têm que pensar hoje a questão da escola. E o que está em questão, além da precarização e exclusão social propostas nos atuais modelos de EaD, é encontrar formas de ação para enfrentar a pandemia e a quarentena de docentes e estudantes.
A professora lembrou as mudanças recentes ocorridas na legislação sobre EaD, desde a derrubada da presidente Dilma Roussef, durante os governos de Michel Temer e o atual. “Então o germe desse modelo perverso já estava lá na LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional). O que se propõe é uma precarização clara e a desconstrução do ensino público”.
A EaD, da forma como está colocada agora, apontou ela, abre “brechas imensas” para setores empresariais que já vêm se preparado para vender seus produtos e ocupar os espaços do ensino público.
E esse debate se dá em um momento de ataques sistemáticos à educação e à ciência. “Nós (educadores/as) estamos sendo intimidados e coagidos até com a redução de salários. Mas a gente vai ter que enfrentar esse tsunami”.
Para a professora, a EaD está sendo colocada, neste momento, também como a alternativa para garantir o cumprimento do ano letivo. “As escolas particulares estão ensandecidas”, descarregando conteúdos pela internet, mas para a maioria dos estudantes mais pobres, das escolas públicas, esse tipo de ação não é possível.
Na avaliação de Heloísa, este não é ainda o momento de definir como se dará o fechamento do ano letivo e o cumprimento dos currículos. “Mas essa é uma questão que terá que ser enfrentada, uma vez que os efeitos da pandemia poderão se alongar ainda por muito tempo”. E, para estudantes de famílias com boas condições financeiras, perder seis meses do ano letivo não significa muito, mas para os que vêm de famílias empobrecidas essa perda pode ser decisiva.
Os sindicatos e entidades ligadas à educação, avaliou Heloísa, passam a ter um papel fundamental neste momento, uma vez que governo Federal e MEC não estão empenhados em oferecer respostas claras para essas questões. “Não podemos suspender nossas intervenções, mas MEC e governo não estão nesta direção”.
A professora defendeu a adoção de algumas medidas emergenciais para enfrentar o que chamou de “tsunami”. Primeiro, a flexibilização de todos os currículos para garantir uma avaliação democrática, caso se decida pelo fechamento do ano letivo em situação de quarentena. Afinal, avaliou, se a quarentena for por pouco tempo, será possível prorrogar o fechamento do ano letivo, mas se ela se prolongar “teremos que enfrentar a questão”.
A professora propôs a criação de mesas de diálogo permanentes de educadores e instituições ligadas ao ensino e de uma Comissão de Avaliação de Impactos, para acompanhar diariamente a evolução da crise. “Ninguém sabe o que vem e quando voltaremos ao ensino presencial. Quando voltarmos, vamos ter que lidar com perdas. Mas professores e estudantes não podem ser prejudicados. Vamos ter que lidar com perdas de estudantes assim como de professores que não conseguiram acompanhar”. Para ela, uma Comissão de Avaliação de Impactos também deverá estar capacitada para avaliar esses casos.
NOVAS RESPOSTAS
Para o professor Salomão Ximenes, o Brasil está completamente despreparado para enfrentar a implantação em massa da EaD. “Precisamos levar em conta que vivenciamos uma situação inédita. E qualquer esforço de prognóstico é difícil. Todos os prognósticos, aliás, são aterradores. Temos que cuidar de nós mesmos e de nossos estudantes, principalmente os das classes mais empobrecidas”, disse.
Dentro deste contexto, para ele, o tema da educação passa a ser secundário. “Não no sentido de minimizar a educação, mas de saber como as instituições educacionais devem se posicionar”. O que tem sido feito por educadores e instituições de ensino, com produção de conteúdos e aulas online, é importante. “Temos que seguir o contato com os alunos, não perder este vínculo. Levar algum grau de normalidade nesse cenário de crise. Mas as instituições já perceberam que essa é uma situação que não pode ser enfrentada de forma imediata”.
A massificação da EaD, no contexto da crise, vai levar inevitavelmente a um aprofundamento da desigualdade no sistema de ensino. Salomão mostrou que estudantes da Classe C, em sua quase totalidade, só têm acesso a internet pelo telefone celular. E os das classes D e E, também só com celulares, dependem de planos muito limitados e pré-pagos para acessar a rede.
Só essa questão do acesso à internet, na avaliação de Salomão, já coloca um grave desafio à massificação da EaD. “Do ponto de vista do Direito na educação, é inadmissível que as perdas recaiam especialmente sobre a população mais pobre”.
Para o professor, a emergência, pelo menos até este momento, não justifica nenhuma proposta de massificação da EaD. “Se a estratégia produzir esse tipo de desigualdade, temos que colocar o pé no freio”.
Salomão apontou outras prioridades que também se impõem diante da pandemia. “Temos que mobilizar as escolas para se comunicar com as famílias, ver a situação em que se encontram, inclusive a situação alimentar. Isso é primordial neste momento. Garantia de condições básicas e de alimentação é até mais importante que a elaboração de conteúdos”. E, avaliou, devem ser pensadas também as formas de minimizar as inevitáveis perdas de conteúdo.
Para ele, a flexibilização da EaD, permitida pelas mudanças na legislação desde o governo Temer, e que atingem até a educação básica, sequer foi discutida com profundidade no país e tem sido implantada de forma vertical, sem ouvir educadores. “Mesmo assim, nenhuma dessas legislações prevê a flexibilização como estamos vendo hoje”.
Salomão afirmou que utilização de mídias eletrônica para a comunicação entre docentes e alunos/as e a disponibilização de plataformas e conteúdos não pode ser descartada. “Mas ser considerada como continuação formal do ensino é uma banalização maior até do que a destas legislações recentes”.
De acordo com o professor, é urgente a realização de um planejamento pedagógico que inclua estudantes e que possa garantir inclusão e qualidade do ensino, e também lutar por uma legislação que permita acesso amplo aos meios de comunicação. “E não é o caso de reproduzirmos agora alguns dos nossos conceitos tradicionais de avaliação e punição”. Para ele, enfrentamos uma situação nova e emergencial que exige novas respostas.
MODELO IMPOSTO*
“A Apeoesp é contra a educação à distância e esse é um dos nossos consensos. EaD é um instrumento adicional e não pode substituir a educação presencial”, afirmou a professora Solange Pozzutto. Para ela, o modelo de EaD, da forma como vem sendo implantado no Brasil desde o governo Temer, tem a intenção clara de favorecer interesses privados com a produção em massa de apostilas e outros conteúdos pedagógicos.
Segundo a professora, são muitos os alunos dentro das escolas públicas que não têm sequer um celular. E, por isso, trabalhos que demandam acesso à internet sempre são realizados em grupos. Além disso, apontou ela, a EaD não pode ser discutida sem levar em conta a situação do país. “Famílias de alunos passando dificuldades até alimentares, não têm conseguido sequer pagar as contas e isso agravado ainda mais pela pandemia”. Enquanto isso, têm sido disponibilizadas plataformas de EaD até para estudantes em fase de alfabetização e que exigem a participação da mãe ou do pai para o aprendizado dos conteúdos.
“O mais grave é que está tudo sendo imposto de cima para baixo. Nós, educadores, não estamos sendo ouvidos”. Ao mesmo tempo, para ela, a EaD investe pesado apenas na produção de conteúdos, num país em que “há escolas sem computadores, sem álcool gel e até sem papel higiênico”. “Então como fornecer um celular a esses alunos? Em Campinas, a prefeitura disse que vai fornecer equipamentos a estudantes, mas muitas famílias com filhos em alfabetização não sabem trabalhar com eles. E teremos problemas de mortes e situações de trabalho agravadas pela pandemia. E isso vai ser priorizado. Então como ficarmos preocupados com avaliação, com currículo, conteúdos? Ficarmos preocupados se o aluno fez ou não a lição?”, ponderou ela.
A professora relatou que são muitas as famílias que procuram e pedem orientação sobre conteúdos e atividades. “E nós temos que oferecer a elas”, mas isso não pode ser parâmetro para nenhum tipo de avaliação, pois simplesmente excluiria as famílias que não têm acesso.
Assim, afirmou, com o prolongamento da crise será indispensável pensar em outras maneiras de agir, além da virtual. Entre as propostas, que já vêm sendo amplamente debatidas pela Apeoesp, Solange apontou a continuidade de manutenção dos vínculos com as famílias de estudantes e garantir o amparo para elas. E também a criação de uma mesa permanente de diálogo para que os docentes sejam ouvidos na criação de alternativas diante da crise.
FORMAS DEMOCRÁTICAS
O coordenador do debate e presidente da ADunicamp, professor Wagner Romão (IFCH), afirmou que a relação dos professores com alunos nos meios digitais é importante, mas desde que não traga a obrigatoriedade, pois isso “aprofundaria as desigualdades”.
“E temos que lidar com isso da forma mais democrática possível, neste momento de ataque a educação que estamos vivendo”, avaliou
MAIS DEBATES
A ADunicamp realizou, nos dias 16, 18 e 25 de março e 1° de abril, quatro debates para discutir questões relacionadas à Covid-19, todos eles coordenados pelo professor Wagner Romão.
O quarto debate teve como tema “Coronavírus: isolamento espacial, tensões sociais e violência doméstica”. Para os três debatedores que participaram do encontro, a pandemia tem deixado cada vez mais evidentes algumas das principais contradições sociais e econômicas da sociedade brasileira, e será inevitável que novos pactos sociais sejam construídos assim que ela chegar ao fim. Participaram do encontro as professoras Silvia Santiago (FCM), com larga experiência na área de Saúde Coletiva; Natália Corazza Padovani, pesquisadora do Núcleo de Estudos de Gênero Pagu e professora dos Programas de Pós-Graduação em Ciências Sociais e Antropologia Social (IFCH); e o professor Sávio Cavalcante (IFCH).
No terceiro debate participaram o professor doutor Francisco Aoki e a professora doutora Rosana Onoko Campos, da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp. Na avaliação deles, a sociedade brasileira já está obrigada a repensar profundamente alguns de seus valores diante da pandemia do novo coronavírus. E, ao mesmo tempo, terá que se preparar para enfrentar com equilíbrio o longo período de reclusão que ainda teremos que atravessar para conter a expansão da doença.
O segundo debate, além de apresentar questões específicas da Covid-19, mostrou os reflexos imediatos e de médio e longo prazos que a “crise do coronavírus” provocará na sociedade e na economia brasileiras, que também exigem ações profundas e imediatas do poder público.
Participaram do segundo debate a professora doutora Mônica Corso, da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp, com especialidade em pneumologia; o professor doutor Guilherme Santos Mello, do Instituto de Economia da Unicamp e diretor do Centro de Estudos de Conjuntura do instituto; e o médico sanitarista Pedro Tourinho, em segundo mandato como vereador em Campinas pelo Partido dos Trabalhadores (PT).
No primeiro debate, os participantes alertaram para a necessidade urgente das autoridades brasileiras adotarem medidas rigorosas de controle para impedir uma explosão da pandemia no país. E apontaram, a partir dos dados que já se tinha naquele momento, que o Estados Unidos e, depois, a América Latina seriam os novos epicentros da pandemia.
Participaram do primeiro debate a especialista em estudos sobre vírus, professora doutora Silvia Gatti, do Instituto de Biologia e do Programa de Pós-Graduação em Genética e Biologia Molecular da Unicamp; a professora doutora Maria Filomena Vilela, da Faculdade de Enfermagem da Unicamp e do Programa de Mestrado Profissional em Saúde Coletiva; e o professor Gustavo Cunha, do Departamento de Saúde Coletiva da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp e doutor em Saúde Coletiva.
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