Uma conversa com os estudantes no 30 de maio – Prof. Renato Dagnino (IG)



 
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Por Renato Dagnino
Hoje de manhã vi algo inédito nos meus 40 anos de Unicamp. Um grupo de estudantes preparava cartazes para a manifestação com frases que mostravam como a universidade beneficiava com conhecimento a população.
Como eram alunos de Geografia, perguntei em que “território” da Unicamp eles consideravam que ocorria esse benefício. O que conto abaixo é o que ouvi.
Um deles respondeu de pronto: no Hospital. Ao que, outro, disse: É verdade, quando passo lá vejo que vêm ônibus de muitas cidades, até de Minas Gerais, trazendo pessoas para serem tratadas. Mas, outro, que era filho de médico, disse: meu pai fala que não é isso que a universidade deve fazer. Que nosso hospital deveria ser para treinar os médicos para tratar casos complicados e que exigissem pesquisa; e não para cuidar de gente com diarreia. Para isso o governo tem que fazer hospitais mais simples, mais “postinhos” nos bairros.
Outro, disse que sabia de um território que trabalha mais com conhecimento, a incubadora de empresas e uma coisa que faz patentes, a Inova. Elas fazem com que a nossa pesquisa possa ser aproveitada pelas empresas e beneficie a sociedade sob a forma de produtos melhores e mais baratos, e empregos melhor remunerados. Outro estudante, mais sisudo e que depois “confessou” ser “meio marxista”, sentenciou: Empresa? Empresa quer é “extrair mais-valia”. Quando ela usa o conhecimento que nós produzimos é para ter lucro, e as coisas que ela faz dificilmente chegam à classe mais pobre, que é a que paga o imposto que sustenta esta universidade em que estamos.
Seguiu-se um silêncio meio incômodo. Afinal, todos estavam ali porque reconheciam que as ameaças que estão sendo feitas à universidade iam terminar acabando com a pesquisa que era essencial para melhorar a sociedade.
Um estudante que estava calado até então falou: acho que o único território que se salva é o da incubadora de cooperativas. Lá, sim, ouvi dizer, se faz um trabalho que beneficia os pobres. E as cooperativas distribuem renda, enquanto que as empresas concentram. Se ela não funcionar bem, os catadores vão continuar miseráveis e analfabetos. E as cooperativas não têm dinheiro para comprar tecnologia.
Mas, em seguida, olhando dois cartazes que listavam contribuições de universidades públicas brasileiras, ficou pensativo. Num deles estavam escritas coisas da área de saúde: “captopiril”, insulina recombinante, vacina da toxoplasmose. Outro cartaz citava carro elétrico, plástico biodegradável, etanol de segunda geração, biodiesel, próteses robóticas. O problema, disse, é que as cooperativas não têm como se aproveitar dessas coisas; elas não vão chegar lá. Elas não foram pensadas para cooperativas; elas precisam das empresas. São elas que têm capacidade para transformar esse conhecimento em produtos. Mas, como disse o colega (o “meio marxista”), não é isso que a universidade pública deveria fazer; ela deveria fazer pesquisa e ensinar coisas que o povão precisa para “se virar”. Nisso, um esbaforido recém chegado que ouviu a última frase, falou:  tentaram roubar o celular de uma repórter da Globo; ao vivo!
Por isso, disse o defensor das cooperativas, eu estou aqui escrevendo esses cartazes, mas não acho que a universidade faça coisas, conhecimentos, para os pobres. Eu vivo numa comunidade onde tem um grupo de mulheres que se organizou para produzir alimentos para merenda escolar. Graças ao que vendem para o governo, estão melhorando; mas se tivessem uma tecnologia desenvolvida pela universidade para que elas pudessem produzir alimento mais saudável, sem veneno, mais gostoso e mais barato, seria melhor. Acho que a universidade tem potencial para produzir conhecimento que não precise passar pela empresa ou pelo governo para chegar, mesmo, à sociedade; que melhore diretamente a vida dos pobres. Com um bróder de lá que está na Engenharia nós vamos fazer isso.
Mas ela precisa dizer a eles que vai se comprometer em fazer isso. Senão, esses cartazes não vão servir para que eles nos apoiem. Queria fazer um cartaz que dissesse isso, mas é difícil…
Como dizia meu avô: vendo como comprei. E nunca vendi algo tão valioso e que tenha me deixado tão feliz: vi todos os estudantes na manifestação!


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