Zeferino Vaz: um Reitor de direita que protegia as esquerdas?*


[box type=”info”]Divulgação a pedido do Prof. Caio Navarro de Toledo (IFCH). Comunicamos que as opiniões expressas no texto não refletem necessariamente a posição da entidade, nem de sua diretoria.[/box]

Por Caio N. de Toledo**

“É um monstro. Ou melhor, é um autêntico comunista.” Zeferino Vaz

Introdução: por uma biografia acadêmico-política

Foi extensa e significativa a presença de Zeferino Vaz na história da educação do estado de São Paulo, particularmente em instituições  do ensino superior. Diretor da Faculdade de Medicina Veterinária da USP (1936-1947), criador e diretor da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP (1951-1964) e fundador e reitor da Universidade Estadual de Campinas (1966-1978). Durante 27 anos, Zeferino Vaz teve atuação importante no Conselho Universitário da USP (1937-1964); por duas vezes se candidatou à Reitoria dessa Universidade. Presidente do Conselho Estadual de Educação (1963) e, durante 17 meses, foi Reitor-interventor da Universidade Nacional de Brasília (1964-1965).
Como prova do reconhecimento dessa intensa presença em instituições de nível superior e estreita ligação com as elites políticas do estado de São Paulo, a ele foram prestadas – por políticos e acadêmicos – diversas homenagens públicas: título de cidadão honorário da cidade de Campinas; ruas em sete cidades do estado de São Paulo e uma rodovia, próxima à Unicamp, levam seu nome. Em 1981, o governador-biônico de São Paulo, Paulo Maluf, denominou “Zeferino Vaz” a cidade universitária da    Unicamp.    Por    sua    vez,    dirigentes    da    universidade   também homenagearam o ex-Reitor ao designar com seu nome um prêmio concedido anualmente aos docentes que se destacam por sua produção acadêmica; um auditório no Instituto de Economia também evoca a figura maior da Universidade. No plano nacional, foi criado o Grande Prêmio Capes de Tese Zeferino Vaz.
O prestígio alcançado pelo primeiro Reitor da Unicamp, no entanto, não é acompanhado pela elaboração de trabalhos acadêmicos sobre a sua contribuição à educação paulista e brasileira(1); igualmente, ainda não foi produzida uma obra de caráter biográfico que examine sua vida pessoal e diferentes atividades exercidas na direção de instituições de ensino superior.(2)
Este artigo é motivado pela publicação do Relatório Final da Comissão da Verdade e Memória “Octávio Ianni” (CVMOI) que examinou efeitos da ditadura militar sobre a comunidade acadêmica da Unicamp.(3) Embora o Relatório da CVMOI não se configure como um “affaire Zeferino”, não deixa de ser um documento que suscita o debate e a reflexão sobre a personalidade e a obra do primeiro Reitor da Unicamp. A alcunha a ele conferida de Napoleãozinho – pelo seu sentido crítico ou pela forma simpática de designar o intrépido realizador – talvez sintetize a figura controvertida de Zeferino Vaz. A este respeito, pode ser dito ainda que, particularmente  entre  os  docentes  da  Universidade,  tem  prevalecido   a imagem do notável construtor a quem toda a comunidade universitária deve admiração e reverencial respeito. Sem ele, a Unicamp não teria atingido o prestigio e o reconhecimento que, hoje, alcançou nos meios acadêmicos do país e do continente.
Um debate ocorrido em uma sessão do Conselho Universitário da Universidade (5/8/2014) – que decidiu pela manutenção do título Doutor Honoris Causa concedido, em 1973, ao Coronel Jarbas Passarinho – talvez ilustre bem o que os docentes pensam sobre o papel e o significado da obra de Vaz. Nas intervenções que a Ata da reunião registra, fica evidenciado que qualquer reparo às suas ações e iniciativas significaria questionar sua irretocável obra.(4)
Como dirigente acadêmico sans peur et sans reproche, Vaz é exaltado como um firme escudeiro da Unicamp durante a ditadura militar. Sob esta perspectiva, é reconhecido que teria sido uma honrosa exceção nos tempos em que a maioria dos reitores brasileiros aceitou passivamente arbítrios perpetrados contra suas comunidades acadêmicas e, pior, colaboraram com o regime de exceção. Neste sentido –argumentam vários docentes (inclusive de esquerda) –, toda a comunidade acadêmica, ontem e hoje, não pode senão prestar permanente e renovada gratidão a Zeferino Vaz.
Longe de desconhecer os inegáveis méritos do construtor de importantes instituições universitárias do estado de São Paulo, entendemos que – para ser rigorosamente elaborada – uma justa e merecida biografia acadêmico-política sobre Zeferino Vaz não pode prescindir de um estudo sobre suas posturas políticas e convicções ideológicas. Nossa hipótese é a de que os posicionamentos políticos e ideológicos – longe de serem marginais ou irrelevantes – são elementos cruciais para entender a ascensão e projeção de Vaz no cenário educacional brasileiro.
Em face dos objetivos deste texto, não está, pois, no seu horizonte uma análise do projeto acadêmico, científico e tecnológico que inspirou a criação da Unicamp. A respeito desta problemática, assumo aqui as conclusões de trabalhos acadêmicos que asseveram que os “objetivos tecnocráticos” (ênfase nas ciências exatas e tecnológicas) e “modernizantes” permitiram que a Unicamp – ao contrário do que ocorreu na UnB, concebida com um projeto semelhante – fosse poupada  do controle e da severa repressão militar. Privilegiada, em seus primórdios, com o efetivo apoio de empresas nacionais e multinacionais e das agências de fomento estatais, a Unicamp, em poucos anos, se tornou uma referência de pesquisa e ensino em todo o país; por sua vez, a autonomia (i. é, a não intervenção militar) foi garantida por meio da atuação pragmática de seu fundador, um “revolucionário de primeira hora” que tinha o beneplácito de setores desenvolvimentistas das Forças Armadas.(5)
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* Agradeço a Telma Murari, eficiente funcionária da Unicamp, por ter facilitado a consulta de documentos do Sistema de Arquivos (SIARQ) dessa universidade. Igualmente, sou grato a Arley Ramos Moreno, Danilo Martuscelli, Heloisa Fernandes, Lalo Minto, Ronaldo Simões Gomes (Batata) e Patrícia Vieira Trópia pelos comentários feitos ao texto; obviamente, não têm eles qualquer responsabilidade pelos equívocos de interpretação e juízos presentes no artigo.
** Professor aposentado do IFCH, Unicamp; foi membro da Comissão da Verdade e Memória “Octávio Ianni” da Unicamp (2014-2015)
NOTAS
1 – Duas dissertações de mestrado sobre a criação da Unicamp abordam aspectos da atuação de Zeferino Vaz: Stela Meneghel, Zeferino Vaz e Unicamp. Uma trajetória e um modelo de universidade, FE, Unicamp, 1994 e Eloi da Silva Lima. A criação da UNICAMP: administração e relações de poder numa perspectiva histórica. FE, Unicamp, 1989.
2 – O livro O Mandarim examina a atuação de Zeferino Vaz na criação e consolidação da Unicamp (1966-1978). O livro abre sugestivas pistas para a elaboração de uma biografia acadêmico-política do educador paulista. Sua deficiência maior reside na sistemática ausência de indicação das fontes documentais sobre as quais o livro se baseia. Eustáquio Gomes, O Mandarim. História da infância da Unicamp. Editora da Unicamp, 2006.
3 – O Relatório Final pode ser consultado no site da Comissão: http://www.comissaoverdade.unicamp.br/
4 – A parte da Ata que reproduz o debate no Consu sobre a proposta de revogação do título de Doutor Honoris Causa ao cel. Jarbas Passarinho pode ser lida no Boletim da Adunicamp: http://adunicamp.org.br/wp-content/uploads/2015/02/BE_Jarbas_Passarinho.pdf
Um dos membros do Consu, prof. Adalberto Bassi, afirmou: “revogar a outorga do título corresponde a repudiar, no seu total, o modo como Zeferino Vaz agia (…) Zeferino Vaz merece tal repúdio?” (negrito meu, CNT) Mais adiante, conclui: “Enxovalhar, imerecidamente, a memória do nosso fundador seria uma grande lástima para a Unicamp”. Nesta perspectiva, a honraria concedida não teria sido uma afronta à comunidade acadêmica posto que, no passado, a Unicamp tirou vantagens da homenagem prestada a uma importante liderança do regime de 1964.
5 – Stela Meneghel, op. cit. cap. IV e Eloi Lima, op. cit.


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