No último dia 13 de abril, a Câmara dos Deputados aprovou o regime de urgência para a tramitação do Projeto de Lei (PL) 5595/2021 de autoria das deputadas Paula Belmonte (Cidadania/DF), Adriana Ventura (Novo/SP) e Aline Sleutjes (PSL/PR). Neste, a educação básica e superior, em sua forma presencial, passaria a ser considerada como “serviço essencial”, inclusive em tempos de pandemia e calamidade pública. Em sua versão original, o referido PL tinha apenas três artigos, redigidos de maneira sumária, que vedavam a suspensão do ensino presencial em todos os níveis, salvo em situações excepcionais, fundamentadas em critérios técnicos e científicos. Na Comissão de Educação da Câmara o PL foi aprovado pela relatora, deputada Joyce Hasselman (PSL/SP), mediante a apresentação de um substitutivo mais detalhado e composto de 6 artigos mais extensos que acolheu três emendas de plenário, tratando: das condições para um “retorno seguro” do ensino presencial; das condições sanitárias para essa retomada, dos protocolos a serem observados por profissionais da educação e estudantes, dentre outras providências a serem tomadas por estados e municípios.
Analisando o teor do PL 5595/2021, bem como do relatório e do substitutivo aprovados na Comissão de Educação da Câmara, a ADunicamp, em consonância com a nota da diretoria do ANDES-SN de 15/04/2021, vem a público manifestar seu total repúdio ao projeto, em suas duas versões.
Em primeiro lugar, é preciso não confundir o caráter essencial da educação como direito de todos e dever do Estado, conforme estabelecido na Constituição Federal (CF/88), com a decretação de uma atividade como “serviço essencial”, em sentido jurídico. Nesta última acepção, o adjetivo “essencial” implica a compulsoriedade de sua oferta, sendo vedada a suspensão, inclusive em situações de calamidade pública, como expressamente disposto no PL. Uma fatídica decorrência dessa disposição é a limitação do direito às manifestações dos trabalhadores, em particular do direito de greve, como ocorre por exemplo na área da segurança pública. Ora, há mais de quatro décadas, desde o período da redemocratização, o movimento sindical docente, tanto na educação básica como superior, tem sido uma força destacada na defesa, não apenas dos salários e condições de trabalho do(a)s educadore(a)s, mas centralmente, na defesa do ensino público, denunciando incansavelmente as tentativas de desmonte e privatização. Silenciar a atuação associativa e sindical do(a)s professore(a)s e funcionário(a)s implica em ataque de viés autoritário visando o cerceamento de um direito constitucional e democrático.
Em segundo lugar, é estapafúrdio, mas revelador que o PL 5595/2021 tenha vindo à luz em um momento no qual o Brasil vive o pior momento da pandemia do novo coronavírus, ultrapassando, em 17 de abril, as marcas de 370.000 mortos e 13,8 milhões contágios pelo coronavírus. Pois bem, como lembra a nota de nosso sindicato nacional, o PL, se aprovado, resultaria no envio de mais de 3,4 milhões de profissionais da educação e cerca de 56 milhões de estudantes, totalizando aproximadamente 60 milhões de pessoas, para circularem nas ruas, no transporte público e em estabelecimentos de ensino que, em sua grande maioria, não oferecem condições mínimas adequadas para a observância de protocolos de distanciamento social. O resultado dessa insanidade não poderá ser outro senão a aceleração do genocídio, capitaneado pelo presidente Bolsonaro, e da tragédia humanitária vivida pelo país, amplamente documentada pela imprensa nacional e estrangeira, como retumbantes fracassos no enfrentamento da pandemia.
O PL 5595/2021 ataca um direito fundamental ainda mais caro, não apenas ao(a)s trabalhadore(a)s da educação e estudantes, mas ao(a)s cidadão(a)s brasileiro(a)s e mesmo à humanidade, previsto no artigo V da CF/88: o direito à vida e à integridade física da pessoa humana.
Mas, consideremos por um momento, as motivações expostas pelos defensores do PL, consubstanciadas no relatório da deputada Hasselman. Primeiramente, o relatório cita pesquisas, nacionais e internacionais, que apontam para os prejuízos nos processos de ensino/aprendizagem do(a)s estudantes de todos os níveis de ensino com a suspensão das atividades presenciais, com destaque para a situação do(a)s mais pobres, com menos acesso às tecnologias de ensino remoto. Ainda que ninguém na área educacional desconheça tais prejuízos, deve-se destacar que o Estado brasileiro, nos três diferentes níveis federativos, pouco ou nada fez de efetivo para minimizar tais condições, dado o prévio abandono em que já se encontrava a educação no país, agravado pelo “austerícidio” fiscal estabelecido pela Emenda Constitucional 95 (CE-95/2016) que impôs o teto de gastos. Além disso, os prejuízos à formação do(a)s estudantes não pode ser invocado como motivo para expor a risco a saúde, e mais grave, a vida, não apenas da comunidade educacional em geral, mas de toda a sociedade, uma vez que um retorno massivo da rede de ensino ao formato presencial certamente acentuaria as curvas de contágio e mortes.
Em segundo lugar, a relatora cita pesquisas científicas que colocariam em dúvida o impacto sanitário da retomada do ensino presencial, uma vez que as crianças e adolescentes dificilmente se contagiariam ou transmitiriam os coronavírus para os adultos. Eis aqui um exemplo flagrante, entre tantos que temos testemunhado na atualidade, da manipulação seletiva, desonesta e criminosa de informação científica controversa, por ignorantes na matéria. O que os exemplos internacionais mostram claramente é que o retorno à rotina presencial na rede escolar, desacompanhado de rígidos protocolos sanitários e de campanhas massivas de vacinação, favorecem sobremaneira o aumento do contágio pela maior circulação do vírus, agravado pelo fato de que crianças e adolescentes costumam ser portadores assintomáticos.
Por fim, o substitutivo da deputada Hasselman acolhe uma série de sugestões para o retorno em segurança, como a adoção do distanciamento social e uso de máscaras, com as devidas adaptações da infraestrutura escolar. Este só pode ser mais um caso da propensão dos legisladores brasileiros ao beletrismo, derramando-se em declamações genéricas que ignoram a realidade concreta. Afinal, quem já entrou em uma escola pública, ou mesmo em uma universidade, sabe que a grande maioria das instalações educacionais brasileiras estão a léguas de distância de propiciar condições mínimas para um retorno seguro das atividades presenciais e requerem, para tanto, obras e reformas de grande monta. Tais benfeitorias, nas condições do atual regime fiscal brasileiro, do qual as referidas parlamentares proponentes do PL são certamente defensoras, tornaram-se absolutamente inviáveis, haja vista o orçamento minguante do MEC que, na atribulada discussão da peça orçamentária do ano em curso, atinge níveis alarmantes até mesmo para a mera subsistência do ensino público no país.
Fica claro, portanto, que um retorno ao ensino presencial nas atuais condições, além de acentuar o descalabro sanitário, afetaria de modo extremamente desigual a rede de ensino, prejudicando enormemente o(a)s trabalhadore(a)s e estudantes de estabelecimentos com menos recursos, ao passo que favoreceria os estabelecimentos privados de elite, com condições e infraestruturas melhores. Vê-se como as piedosas preocupações da relatora com a desigualdade de acesso d(a)s estudantes menos aquinhoado(a)s às tecnologias digitais, não passam de hipocrisia pura e simples.
Assim, cabe indagar quais são as reais motivações por trás desse verdadeiro “PL da morte”. Ao que nos parece, confluem três interesses principais:
- do “lobby” das mantenedoras do ensino privado que, em pleno mês de março, enquanto agonizavam dezenas de milhares de brasileiro(a)s nas UTI’s, promoviam carreatas pela reabertura das escolas em diversas cidades;
- da necropolítica bolsonarista que deseja, mais uma vez, mascarar sua atuação criminosa frente à pandemia, ao mesmo tempo em que segue obrigando a população brasileira, por todos os meios possíveis, a uma marcha forçada para o adoecimento e a morte;
- da direita política brasileira que, como corolário de seu projeto privatista e autoritário, a muito vem tentando cercear o movimento sindical e todas as formas de manifestação em defesa dos serviços públicos e dos direitos sociais.
Para concluir, gostaríamos de dizer que ninguém mais do que nós, professoras e professores sente falta da sala de aula, da interação, do face-a-face com nosso(a)s aluno(a)s e colegas e da presença em nossos locais de trabalho. Supor o contrário, de que estamos confortáveis em nossas casas e inventando pretextos para não ir trabalhar, seria um acinte e uma ofensa à nossa dignidade profissional, aliás, mais uma das tantas nas quais tem se prodigalizado as direitas brasileiras e o “lobby” privatista do empresariado, por meio de seus venais porta-vozes nos meios de comunicação. Por sinal, não apenas seguimos trabalhando de forma remota, mas de maneira ainda mais intensa e precária do que no ensino presencial, tentando, a duras penas, minimizar os prejuízos à formação de nosso(a)s estudantes nas condições impostas pela pandemia. Mas, sem condições verdadeiramente seguras para o retorno, o que implica em um autêntico programa de imunização massiva da população brasileira, levado à cabo pelo SUS, não iremos expor a vida, nossa, da(o)s nosso(a)s colegas, aluno(a)s e familiares para salvaguardar os lucros dos acionistas da educação privada ou a negligência criminosa das autoridades brasileiras, que faltaram com seu dever constitucional de proteger a população.
Não ao PL 5.595!
Vacinação urgente para todo(a)s, gratuitamente e pelo SUS!
Em defesa da vida, da saúde e da educação públicas!
Fora Bolsonaro, Mourão e seu governo genocida!
Diretoria da ADunicamp
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