O resgate histórico das lutas femininas foi o tema da abertura do ciclo de debates na ENFF. ADunicamp esteve presente e já garantiu participação nas próximas edições


Confira aqui a programação das visitas mensais previstas até setembro/2023, as quais terão participação da ADunicamp. Acompanhe o site e as redes sociais da entidade para fazer reserva no transporte.  

A ADunicamp realizou, no último dia 25 de março, nova visita à Escola Nacional Florestan Fernandes – ENFF. A caravana da entidade participou do debate sobre “Mulheres e as lutas feministas no Brasil”. O objetivo do encontro foi o de olhar para o processo histórico das lutas das mulheres, as conquistas de direitos e as resistências femininas e feministas na atualidade.

No evento foram realizadas duas conferências. A primeira, com Lucineia Freitas, integrante do MST, discutiu os movimentos e articulações políticas e sociais históricas na luta pelos direitos básicos e o enfrentamento de situações precárias vivenciadas por mulheres camponesas em territórios rurais e indígenas. Na sequência, Nalu Farias, da Marcha Mundial das Mulheres, destacou as dimensões das lutas feministas e a importância para movimentos urbanos de mulheres nas cidades e nas periferias a partir da luta de classes sociais.

Após as conferências, como de praxe, foi realizada uma visita guiada pelas unidades de trabalho da escola com pessoas inscritas pela Associação dos Amigos e Amigas da Escola Nacional Florestan Fernandes. O encontro foi aberto, com uma mística, durante a qual um coletivo de mulheres da Brigada Apolônio de Carvalho apresentou cartazes com dados sobre e violências contra as mulheres. Ao final, recitaram em coro a poesia “SE UM DIA AS MULHERES ENFURECESSEM”, de Adriana Novais:

Em fúria não permitiriam que a televisão pautasse sua beleza.
Em fúria faliriam todas as clínicas de estética.
Jamais transariam sem vontade.
Se um dia as mulheres se enfurecessem não aceitariam que o Estado regesse seu corpo.
Em fúria decidiriam se queriam ou não, ter filhos.
Em fúria não usariam roupas desconfortáveis em nome da aparência.
Em fúria usariam apenas a que lhes dessem vontade.
Em fúria não permitiriam que a outra apanhasse.
Em fúria revidariam os tapas na cara, os chutes e os ponta pés.
Em fúria não seria escrava em sua própria casa.
Se um dia as mulheres se enfurecessem, calariam a boca dos padres e dos pastores que pregam o dever da sua submissão.
Em fúria denunciariam todos os abusos cometidos nas igrejas, no trabalho, nas delegacias, nos hospitais e aqueles cometidos dentro das suas casas.
Em fúria, ensinariam as filhas a se defenderem e os filhos a não estuprarem.
 Ah! Se um dia as mulheres se enfurecessem, escrachariam todos os companheiros de luta, dos partidos e movimentos, colocariam a nu seu machismo disfarçado no discurso revolucionário.
Em fúria, ocupariam os jornais, as redes de televisão contra a misoginia e o racismo.
Um dia, irmanadas numa grande fúria, todas elas, de todos os lugares, de todas as etnias, esmagariam todas as correntes da sua opressão.
Esmagariam o Estado, a Igreja e a Propriedade.

 

RESGATE DA HISTÓRIA

Lucineia Freitas* resgatou a participação das mulheres ao longo da história, e que precede ao “feminismo” propriamente dito. Em todos os movimentos populares de resistência houve a  participação das mulheres, que historicamente foram invisibilizadas, também pelo fato de não haver registro escrito. “Há uma dívida de dados sobre a resistência dos povos originários, por exemplo”, lembrou Lucineia.

Lucineia lembra, também, o fato de as mulheres bororo esconderem as crianças durante as campanhas de ocupação do território por portugueses. Com relação à luta dos quilombolas pela emancipação, Lucineia afirma o protagonismo de Dandara e Benguela, que não foram apenas companheiras dos líderes dos movimentos de resistência negra. O papel delas na produção e na organização da luta, seus trabalhos na agricultura, suas atuações na cozinha e nos cuidados de suas comunidades precisam ser reconhecidos.

Segundo a estudiosa, há uma enorme dívida de dados também sobre a participação das mulheres em Canudos e na Revolta dos Malês; e também com relação à rede de comunicação, fato que permitiu a tomada de Salvador.

Lucineia menciona o apagamento das mulheres no campo, que não possuíam sequer registro ou documentos de identidade; igualmente na Guerrilha do Araguaia, o papel das mulheres camponesas foi apagado. Lembra, em especial, de mulheres que tiveram importante trabalho na formação do coletivo de mulheres na defesa dos sindicatos, como Elizabeth Teixeira, viúva de João Pedro, líder das ligas camponesas em Pernambuco.

Lembra da atuação da articulação feminina com a igreja e o sindicato, na organização da resistência armada, e menciona Alexina Lins Crêspo de Paula (cita o documentário – “memórias clandestinas”), guerrilheira das Ligas Camponesas, mulher do líder camponês e congressista Francisco Julião, e que ficou exilada em Cuba, Chile e Europa, na compania dos filhos, durante mais de uma década.

Lucineia afirma que a relação entre corpo e território é uma pauta trazida por coletivos de mulheres indígenas e quilombolas, que reivindicam o direito de existir enquanto mulheres. O direito de sindicalização das mulheres é conquistado apenas a partir dos anos 80(!!). As mulheres da resistência, no entanto, não se reconheciam como feministas. Não eram brancas, não eram escolarizadas; não pregavam a superação dos homens.

A partir dos anos 80 se dá uma ampla campanha de documentação das mulheres rurais. Segundo Lucineia, “antes elas não precisavam existir; não tinham documentos porque tinham marido e pai”. A conquista da documentação data dos anos 2000, quando, de posse de documento, passam a ter o direito à propriedade do lote e à educação.

Lucineia conclui reiterando que a defesa do território é uma luta eminentemente feminista e que é preciso recuperar a identidade de um feminismo camponês popular, que pauta a luta pelo território a partir das especificidades das comunidades. “Luta pelo direito de existir procede a luta pelo direito de SER”, finaliza.

Nalu Farias reiterou o fato de as mulheres sempre terem atuado em movimentos de resistência, reafirmando a necessidade de reconhecimento do termo feminista/feminismo no âmbito da história da luta socialista. A partir do ponto de vista marxista, recupera a base material trazida pelo feminismo popular através da criação, da rede de cuidados, comunicação e manutenção das comunidades.

Nalu analisou, ainda, a dimensão do feminismo na luta de classes. Afirmou ser necessário se perguntar como o patriarcado se imbrica com o racismo. Reitera o fato de o feminismo ter uma relação de subordinação diferente entre homens e mulheres nas diferentes classes sociais.

Citando Silvia Federici, Nalu afirmou que o capitalismo desqualifica o trabalho doméstico e que certamente o patriarcado não surge com o capitalismo, mas certamente foi agravado com este sistema que aprofunda as desigualdades e injustiças sociais.

Trazendo a memória de Elizabeth Lobo, recordou as lutas dos mulheres periféricas e a figura de  – Beth Lobo. Destacou que o feminismo “brasileiro” perpassa um conjunto de lutas: por creche, escola, posto de saúde; além de lutar pela própria autonomia. A concretude da dupla jornada de trabalho trazida pelas mulheres alterou a pauta sindical. O feminismo no campo traz o olhar do ponto de vista da sustentação da vida e não do ponto de vista do capital. Contempla uma luta pela desmercadorizazão, afinal, o que queremos de fato produzir: segurança alimentar com que energia?

Nalu apontou, ainda, que a pauta da segurança alimentar trazida pelas mulheres do MST tem impacto na cidade e nas outras cadeias produtivas, e reiterou a importância da construção de hegemonia das classes trabalhadoras. “As lutas identitárias quando separadas resvalam para o liberalismo. É fundamental pensar a pluralidade dos sujeitos sem arrefecer  o debate sobre a precarização do trabalho que tem impacto direto sobre a violência sobre os corpos”, afirmou.

Por fim, Nalu mencionou o risco de esvaziamento ou apropriação das pautas, da rebeldia pelo sistema e dos conflitos de interesses entre as mulheres. “Pela primeira vez elas gerenciam o capital, o que amplia os conflitos entre as mulheres, a hierarquia e a vida representativa no parlamento”. Conclui afirmando que o agronegócio não resolve o problema da fome no Brasil, mas o intensifica uma vez que avança sobre terra pública contra os povos originários e quilombolas. “É  preciso urgentemente repensar o projeto produtivo no campo e repensar as relações sociais e ambientais.”

Ambas palestrantes citaram outras mulheres que, em diferentes momentos da história latino americana, protagonizaram movimentos de resistência, como Bartolina Sisa, contemporânea de Bolívar; e Lélia Gonzales. Nalu reiterou a importância de Louise Michel  durante a Comuna de Paris: “não se poder desprezar os feminismos europeus no acúmulo dos debates sobre gênero e luta de classes”, concluiu.

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