CARTA ABERTA À DIRETORA DO INSTITUTO DE FÍSICA GLEB WATAGHIN


Prezada Profa. Mônica Alonso Cotta

Escrevo-lhe, após assistir a transmissão online da sessão do CONSU, de 11 de junho, ocasião em que, como diretora do IFGW, fez comentários críticos à CARTA AO CONSU ali debatida.

Como sabemos, este documento foi subscrito por 138 docentes e pesquisadores da Unicamp; entre eles, um Doutor Honoris Causa, 5 professores eméritos, um ex-Reitor, um ex-CGU e ex-diretores de unidade. A respeito dos signatários, cabe também ressaltar os relevantes apoios de Paulo Sérgio Pinheiro, recentemente homenageado com o título de Doutor Honoris Causa de nossa universidade (e ativo militante em inúmeras comissões de direitos humanos no Brasil e no exterior) e do Professor emérito Rogério Cezar de Cerqueira Leite, um dos fundadores do IFGW e do Instituto de Arte, ambos da Unicamp.

Como um dos apoiadores deste documento, permita-me, antes de examinar suas ponderações críticas, fazer alguns esclarecimentos preliminares.

A CARTA AO CONSU não problematiza convênios a serem firmados por universidades brasileiras com Instituições de Israel em geral. O texto limita-se a questionar o convênio da Unicamp com a renomada Technion, universidade sediada em Haifa, Israel.

Por meio de uma cuidadosa e consistente argumentação, a CARTA – fundamentada em matérias divulgadas em sites, idôneos e intelectualmente qualificados – busca evidenciar que, desde a sua fundação, Technion apoia as políticas de ocupação e de limpeza étnica de Israel, justifica o ilegítimo regime de apartheid desse Estado e tem sido uma eficiente agência da política de extermínio do povo palestino praticada pelas Forças Armadas de Israel. Rigorosamente, Technion e FDI, hoje, são entidades indissociáveis como demonstramos abaixo.

Além das citações feitas na CARTA AO CONSU, agrego trechos de um livro que revelam os vínculos da universidade de Haifa com a FDI. Foram eles extraídos da recente obra da pesquisadora israelense Maya Wind, Towers of ivory and steel: how Israeli universities deny Palestinian freedom. 287 ps. 2024. Verso.

The Technion not only facilitated the birth of the Israeli military industry but also continues to support the international sales of its weaponry, even going so far as to explicitly offer courses on arms and security marketing and export. P. 106

The Technion remains instrumental to the expansion of Israeli military industries and continues to fuel them with new ideas and new employees. P. 105

The Technion has created a university-to-military-industry pipeline, bringing Israeli weapons corporations onto campus and building programming so as to integrate their students into the industry while they are still enrolled. P. 103

 Carece, pois, de razoabilidade, prezada colega, uma ponderação sua feita durante a aludida reunião: a de que os organizadores da CARTA se precipitaram ao deixar de fazer uma consulta aos dirigentes de Technion a fim de conhecer os posicionamentos dessa universidade em relação aos direitos humanos. De fato, poupamo-nos de fazer esta indagação aos dirigentes da Universidade de Haifa, pois a consideramos desnecessária e supérflua. Afinal, seria razoável dar crédito às protocolares e retóricas declarações que esses dirigentes, certamente, fariam em defesa da paz no Oriente médio, a favor da tolerância entre os povos e dos ideais humanistas?

Para os efeitos daquilo que postulamos, continuam, pois, válidas as conclusões expostas ao final da CARTA AO CONSU:

Pode-se cogitar que o Convênio nada tenha a ver com pesquisas científicas e tecnológicas associadas à política militar e destrutiva de Israel. No entanto, estamos convencidos de que ao se associar com a TECHNION, a Unicamp estará, objetivamente, dando crédito e legitimando uma Universidade de Israel que, além de ser conivente com o regime de apartheid, apoia o atual genocídio na Faixa de Gaza.” (negritos meus.)

Acredito, pois, que os docentes do IFGW, envolvidos no convênio firmado com Technion, jamais aceitariam colaborar com pesquisas e projetos que beneficiariam o complexo militar-industrial de Israel. Igualmente, não devemos ter dúvidas de que a consulta ao Proc. 01-P-35936/2023 (ainda sigiloso) – a ser feita pelos membros do Consu – comprovará esta hipótese.

Por outro lado, a despeito da eventual revogação do atual convênio, entendo que os docentes do IFGW poderão estabelecer produtivas relações de pesquisa com seus colegas israelenses de Technion que, como foi assegurado na reunião, nutrem simpatias pelo povo palestino e são críticos do atual governo de extrema direita de Israel. Caso estes pesquisadores de Israel tenham consequentes convicções críticas e humanistas – como judeus da estatura intelectual e moral de Noam Chomsky, Edgar Morin, Naomi Klein, Judith Butler, Norman Finkelstein, Ilan Pappe e outro/as (e, no Brasil, o coletivo Vozes Judaicas por Liberação) –, certamente, não deixarão de se solidarizar com a solicitação feita na CARTA AO CONSU.

Pelos argumentos aqui expostos, não se pode, pois, senão concluir que não há razão moral e intelectual alguma para a manutenção de um convênio com uma instituição que, em sua prática efetiva, não está comprometida com a defesa dos direitos humanos nem atua positivamente na direção da construção de uma paz duradoura no Oriente médio.

Comento, agora, uma opinião sua exposta na reunião. Contestando a CARTA, em determinado momento de sua intervenção no Consu, a colega do IFGW faz uma grave advertência ao levantar a hipótese de que o rompimento do convênio com Technion poderia significar um autêntico “tiro no pé” (sic) da Unicamp… Fica, assim, cogitada a possibilidade de universidades do exterior – ao levarem em conta nossas justificativas e critérios para o rompimento do convênio – cortarem suas relações de cooperação com a Unicamp; afinal, como foi afirmado, o Brasil praticaria uma política de genocídio contra o povo yanomami!

A meu ver, contudo, a analogia não se sustenta pela simples razão de que a Unicamp jamais foi conivente com a política genocida praticada pelo governo Jair Bolsonaro. Pelo contrário, nossa comunidade acadêmica condenou, firmemente e sem hesitação, a tragédia enfrentada pelos Yanomamis, tal como pode ser comprovado por matérias do Portal da Universidade.

Em suma, enquanto Technion, não apenas apoia, como tem um papel influente na concretização da agressiva política militar do Estado de Israel, a Unicamp – pela convicção de seus dirigentes e atuação do conjunto de sua comunidade acadêmica – tem denunciado políticas de extermínio de populações indígenas, quilombolas e negras na ainda frágil democracia brasileira. Sendo assim, universidades de todo o mundo – cujos dirigentes têm convicções democráticas – não teriam razões para recusar convênios com a Unicamp. Afinal, não se impõe reconhecer que temos sido um centro de excelência que busca repudiar todas as espécies de discriminações e formas de opressões, tal como define a Deliberação A-058/2020, de 24/11/2020 deste CONSU?

Na luta das ideias, atos simbólicos podem ter efeitos valiosos e importantes no debate político e cultural de um país. A suspensão do atual convênio com Technion demonstrará, de forma definitiva e exemplar, que a Unicamp não se omite diante da questão moral mais relevante que, hoje, interpela a humanidade.

Por último. Conhecendo suas convicções democráticas e humanistas, temos a expectativa de que, na próxima reunião do Consu – juntamente com os demais membros desse Conselho –, a Diretora do IFGW subscreva a Moção que pede a suspensão do convênio da Unicamp com a universidade de Haifa.

Simbolicamente, esta decisão se constituirá numa inequívoca manifestação em defesa do povo palestino. Diria mesmo, profa. Mônica  Cotta, que este ato público será mais valioso e significativo do que todas as palavras de solidariedade que, no plano de nossas relações privadas, afirmamos ter com a causa Palestina.

De outro lado, por meio desta decisão, os dirigentes de Technion e da comunidade acadêmica de todo o mundo serão informados que – de forma altiva, justificada e legítima – a Universidade Estadual de Campinas não aceita manter qualquer tipo de relação com Instituições que, deliberada e conscientemente, colaboram ativamente com as políticas de limpeza étnica e de apartheid e com o genocídio em curso na Faixa de Gaza.

Respeitosamente,

Caio N. de Toledo, docente aposentado do IFCH, ex-membro da Comissão da Verdade e Memória “Octavio Ianni’ da Unicamp

Unicamp, 20 de junho de 2024.

***

Divulgação realizada por solicitação do Professor Caio N. de Toledo (IFCH), na condição de sindicalizado à ADunicamp. As opiniões expressas nos textos assinados são de total responsabilidade do(a)s autore(a)s e não refletem necessariamente a posição oficial da ADunicamp, nem de qualquer uma de suas instâncias (Assembleia Geral, Conselho de Representantes e Diretoria).


5 Comentários

Mauricio Compiani

Carta bem argumentada, que representa a minha opinião.

AG Trigueiros

Como professor aposentado do IFGW apoio o conteúdo da carta. Antonio Trigueiros

Francisco Manoel de Assis França

Atitude importante e responsável que engrandece a nossa Humanidade. Parabéns e Avante Professor Caio de Toledo. Comitê Árabe Brasileiro de Solidariedade-Paraná 🇧🇷 🇵🇸

Klara Kaiser

Muito justa e bonita a sua argumentação, Professor

Sérgio Leite

Parabéns pela carta, Caio. Ela representa a minha posição.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *