O fim do convênio entre a Unicamp e o HES (Hospital Estadual de Sumaré), que está em vigor há 25 anos e que o Governo do Estado de São Paulo anunciou que não vai renovar, causará um impacto ainda não dimensionado na rede pública da saúde regional. O HES, sob gestão da Unicamp, é considerado hospital de excelência, com todas as certificações, inclusive internacionais, na área de ensino e saúde e muitas premiações. Ele atende oficialmente a seis cidades da RMC (Região Metropolitana de Campinas), mas presta atendimento também a secretarias de saúde de diversos outros municípios distantes e que o procuram em situações de urgência.
Na avaliação do professor Erich Vinicius de Paula, diretor associado da FCM (Faculdade de Ciências Médicas) da Unicamp, a não renovação do convênio causaria também “impactos dramáticos” para a Universidade, devido à “perda de importantes cenários de ensino prático para alunos dos cursos de medicina e enfermagem, além de alunos da residência médica”.
Na gestão do HES, a Universidade o conecta em redes de atendimento com o HC (Hospital de Clínicas) da Unicamp e com o CAISM (Centro de Atenção Integrada à Saúde da Mulher), que também funciona no campus. Essa conexão, na avaliação do professor Erich, “o torna mais eficiente, otimizando os recursos hospitalares e o atendimento para a região”.
A não renovação do convênio, que expira em junho, já foi sinalizada pela Secretaria de Estado da Saúde. Por meio de nota, a Secretaria informou que, por determinação legal, abrirá um processo licitatório para que OSs (Organizações Sociais) da área de saúde disputem o gerenciamento do hospital. E que a Unicamp poderá participar da licitação, desde que categorize uma de suas fundações, a Funcamp ou a Fascamp, como Organização Social.
A Reitoria da Unicamp, embora questione a não renovação do convênio, já prepara a mudança no Estatuto de suas fundações para que se credencie como OSs e possam participar de uma eventual e iminente concorrência. “Mas esse é um plano B. Pretendemos que o convênio seja renovado”, defende o reitor Antônio José de Almeida Meirelles (FEA), o Tom Zé.
De acordo com a Secretaria da Saúde, a licitação é uma exigência legal, porém na nota que emitiu afirma apenas que “o novo chamamento atenderá às diretrizes da lei nº 846/1998”. O professor Edison Bueno, médico sanitarista do Departamento de Saúde Coletiva da FCM, contesta essa suposta “exigência legal”. Ele acredita que outros interesses podem estar em jogo e avalia que o processo está sendo conduzido sem transparência nenhuma.
“Não existe nenhuma obrigatoriedade de fazer o certame. Essa é uma informação, no mínimo, equivocada”, afirma Edison. Para ele, a lei apenas “permite” que OSs gerenciem hospitais públicos, mas em nenhum momento “exige” a participação delas. Além do mais, segundo ele, existe um preceito constitucional que garante que um órgão público, como a Unicamp, tem prioridade na gestão de outro órgão público. E uma OS, mesmo sendo uma organização privada sem fins lucrativos, necessariamente busca rendimentos extras, inclusive para pagamentos altos a seus dirigentes.
Os dois professores, Erich e Edison, lembram ainda que devido ao convênio com a Unicamp, o Hospital Estadual de Sumaré é credenciado como hospital de ensino. E questionam o direcionamento que seria dado ao HES por OSs que hoje gerenciam hospitais privados. Até porque dificilmente a Unicamp daria sequência à participação que mantém hoje no atendimento e na pesquisa junto ao HES, caso a gerência fosse passada a alguma OS.
“O que podemos afirmar é que tentativas por parte da FCM de inserir atividades de ensino em outros equipamentos de saúde gerenciados por OSS que não eram ligadas à Unicamp não foram bem sucedidas”, aponta o professor Erich. Já Edison lembra que se deixar de ser hospital de ensino o HES terá os recursos vindos do Ministério da Saúde substancialmente reduzidos.
PROTESTOS
O anúncio da não renovação do convênio provoca manifestações contrárias e protestos contra a decisão do governo do Estado em vários segmentos da comunidade acadêmica, de organizações sociais e do mundo político, a começar pelo próprio reitor da Unicamp, professor Antônio José de Almeida Meirelles (FEA), o Tom Zé.
“Para a Unicamp, a perda da gestão deste hospital é muito negativa. E não é negativa por causa de recursos, basicamente é negativa por causa de formação. E temos uma das melhores faculdades de medicina do Brasil”, afirmou Tom Zé em entrevista concedida à TV Unicamp. Ele garante que a Reitoria já está em ação, “em tentativa de diálogo com todo o mundo político”, para evitar a não renovação do convênio. Segundo ele, a Unicamp tem clara “algumas alternativas” que possam garantir a renovação dentro de parâmetros legais.
Na mesma direção, a Congregação da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp já aprovou uma Moção dirigida ao governador Tarcísio de Freitas, apontando os riscos para o HES que viriam de um eventual afastamento da Unicamp de sua gestão. A Moção também relata as alternativas que existem para a manutenção do atual convênio e será tornada pública após ser recebida pelo governador.
O Centro Acadêmico de Medicina e o DCE (Diretório Central dos Estudantes), em parceria com outras associações e entidades da sociedade civil, já tem se manifestado e organizado protestos contra a tentativa do governo estadual de “privatização da gestão do HES”. Nesta terça-feira, 11 de março, prometem comparecer em massa na audiência pública programada para ocorrer na Câmara Municipal de Campinas.
A audiência, intitulada “Em Defesa do Vínculo entre a Unicamp e o Hospital Estadual de Sumaré”, foi convocada por iniciativa da vereadora Fernanda Souto (PSOL) e ocorrerá a partir das 19 horas no Plenário José Maria Matosinho, na sede da Câmara Municipal (Avenida da Saudade 1004). De acordo com a vereadora, além de entidades estudantis e da sociedade civil, já confirmaram participação na audiência representantes da Reitoria e da FCM.
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Miriam C Utsumi
É absurdo cancelar um convênio deste, os usuários é que sofrem. Para que mexer em algo que está funcionando tão bem? Um perda imensa também para a formação dos estudantes. Políticos de Sumaré deveriam se mobilizar.