A polêmica história da concessão de uma honraria da Unicamp ao ministro da ditadura
Honoris Causa não foi revogado por um voto e decisão repercute dentro e fora do mundo acadêmico
Numa decisão polêmica, que repercutiu dentro e fora do mundo acadêmico, o Consu (Conselho Universitário) da Unicamp decidiu manter – em sua reunião do dia 5 de agosto deste ano – o título de Doutor Honoris Causa concedido, em 1973, ao então ministro de Educação da ditadura militar, coronel Jarbas Gonçalves Passarinho.
A revogação do título do coronel foi proposta ao Consu em moções apresentadas por congregações de quatro unidades de ensino e pesquisada universidade (leia na pág. 6) e só não foi aprovada por um voto.
Para que fossem aprovadas, as moções dependiam de 50 votos favoráveis, número equivalente a dois terços dos 75 integrantes do Consu. Durante a sessão, 49 conselheiros votaram a favor das moções que pediam a revogação do título, dez foram contrários e outros dez se abstiveram. Seis não votaram por estarem ausentes, mas o estatuto exige que a aprovação se dê com votos da maioria absoluta do total de integrantes do Consu e não apenas dos conselheiros presentes.
O CONTEXTO
As moções foram elaboradas pelas congregações a partir de um debate que ocorre hoje em todo o país, impulsionado pelas Comissões da Verdade, e que busca questionar os legados históricos deixados pela ditadura militar.
Assim, não por acaso, diversas Comissões da Verdade manifestaram apoio às moções encaminhadas ao Consu e apontaram a importância histórica e simbólica da revogação da honraria concedida ao coronel. Até porque, durante a ditadura militar, o então ministro da Educação Jarbas Passarinho recebeu homenagens semelhantes em outras universidades e instituições de ensino.
O Brasil vivia então sob o clima do medo e da intimidação, particularmente acentuado nos meios acadêmicos, políticos, culturais e sindicais. A ata do Consu de 30 de novembro de 1973, que concedeu a honraria ao coronel, mostra que o título foi aprovado por unanimidade pelos conselheiros, sem o menor debate.
No questionamento feito agora, as quatro congregações da Unicamp apontam que a atuação política do coronel Jarbas Passarinho foi nefasta para a cultura e a educação brasileiras. Entre outras ações, o então ministro foi um dos responsáveis pela aprovação do AI 5 que aposentou compulsoriamente pesquisadores e docentes e do decreto 477 que puniu estudantes; pelo desmantelamento do ensino público e apoio à privatização das universidades; pela punição a sindicalistas e difusão das Assessorias de Segurança e Investigação nas universidades, entre outras ações.
As congregações lembram ainda, em suas moções, que o coronel jamais fez qualquer autocrítica sobre sua trajetória política e ideológica. Em todos os seus pronunciamentos, após a democratização do país, ele continuou justificando o arbítrio e o terror de Estado representados pela ditadura militar (1964-1985).
REPERCUSSÕES
Durante os debates que precederam a votação das moções, na sessão do Consu de 5 de agosto, nenhum conselheiro defendeu especificamente a atuação do coronel Passarinho nos seus tempos de ministro. Os argumentos dos conselheiros que votaram contra as moções e pela manutenção do título se escudaram na suposta mácula que a decisão, tomada agora, lançaria sobre integrantes do Consu que concederam o título ao coronel e, em especial, ao reitor da Unicamp na época, Zeferino Vaz. (leia nas páginas 22 e 24).
De qualquer forma, a manutenção do título repercutiu intensamente no meio acadêmico e fora dele (leia aqui). E a repercussão foi ampliada pela decisão do professor Bernado Boris Vargaftig, que renunciou ao seu título de Doutor Honoris Causa concedido pela Unicamp em 1991. “Não queria prosseguir na coabitação forçada com um prescritor de maus tratos e assassinatos, desaparecimentos etc.”, justificou o professor. (leia na pág. 30).
POSIÇÃO DA ADUNICAMP
Durante a reunião do Consu de 5 de agosto, a ADunicamp posicionou-se claramente contrária à manutenção do título ao coronel. “As circunstâncias colocadas naquele momento levaram aquele Conselho Diretor a outorgar o título que hoje este Consu pode e deve revogar. Vários fatos denotam o constrangimento que o Conselho Diretor daquela época teve ao fazer o que fez. E hoje, se o Conselho Universitário mantiver esse título, o estará reiterando e assumindo a responsabilidade por ele a partir da data de hoje”, afirmou o presidente da ADunicamp, professor Paulo César Centoducatte. (pág. 259 da ata em anexo).
Com este Boletim Especial, a ADunicamp espera manter vivo o debate sobre a questão, na expectativa de que ele ainda volte a ser discutido e novamente votado pelo Conselho Universitário da Unicamp
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