Patrícia Fachin | Instituto Humanitas Unisinos
De volta à agenda do Congresso depois de dois anos, o Projeto de Lei 4330, que propõe regulamentar a terceirização no Brasil, teve seu texto principal aprovado pela Câmara dos Deputados na noite de 8 de abril, por 324 votos a favor, 137 contra e duas abstenções.
Marilane Teixeira cursa doutorado em Economia Social na Universidade de Campinas – Unicamp e atua como assessora técnica da Confederação Nacional do Ramo Químico – CNQ, e há anos acompanha a discussão sobre o tema no país.
Em entrevista, Marilane explicou que caso o PL seja aprovado, há a expectativa de que seja vetado pela presidenta. Entretanto, pontua, “ela pode vetar tudo ou partes do PL. De todo modo, ele voltaria para o Congresso em caráter de urgência e o veto ainda pode ser derrubado.”
Ela informa ainda que as centrais sindicais, juntamente com o Ministério da Justiça, o Ministério do Trabalho e a Secretaria de Assuntos Estratégicos, elaboraram um projeto de lei que está parado na Casa Civil desde 2009, a partir de cinco pressupostos: a proibição da terceirização na atividade-fim; a responsabilidade solidária; a questão dos mesmos direitos do local de trabalho; a prevalência da negociação coletiva mais favorável ao trabalhador; e a representação sindical por atividade, ou seja, pela atividade econômica preponderante. “Já pressionamos o governo para enviar o projeto para o Congresso, mas o governo, em algum momento, decidiu que esse tema deveria ser tratado a partir da relação entre capital e trabalho, e que o Estado não iria se envolver diretamente em uma proposta de regulação pública para uma legislação para o tema”, lamenta. E acrescenta: “Nós já encaminhamos vários pedidos, apelamos à presidenta e a vários ministros para que o projeto fosse aprovado, mas continua parado”.
Marilane Teixeira alerta que se o PL 4330 for aprovado “quem é efetivo hoje poderá virar terceirizado amanhã, e quem está entrando no mercado de trabalho vai entrar pela porta da terceirização. Ou seja, nós podemos chegar a uma situação em que a empresa será um ambiente onde não precisará haver um trabalhador efetivo, será um conjunto de trabalhadores prestadores de serviços vindos de diferentes atividades econômicas e categorias profissionais”.
Leia a seguir trechos da entrevista.
Por que o PL 4330 voltou à agenda do Congresso? Como a possibilidade de aprovação do PL está repercutindo entre as centrais e os trabalhadores, neste momento em que o governo está em crise?
O PL voltou à pauta em fevereiro, quando foi desarquivado pelo deputado Arthur Maia (SD-BA), e pelo presidente da Câmara, atendendo a pedidos dos opositores do Projeto de Lei. Nesse contexto, têm acontecido nos últimos meses várias movimentações em relação a como barrar o PL. Eu faço parte de um fórum contra a terceirização, criado em 2011, que agrupa as centrais sindicais, entidades do direito do trabalho e pesquisadores acadêmicos. Nós realizamos uma reunião com o ministro -chefe da Secretaria Geral da Presidência, Miguel Rossetto, em janeiro, na tentativa de propor ao governo que retirasse o projeto do Legislativo e o trouxesse para o Executivo, formando uma comissão quadripartite para restabelecer o diálogo em relação aos temas mais polêmicos do projeto: a explicitação de que a terceirização pode ser aplicada para todos os setores e atividades econômicas de forma irrestrita, a questão da responsabilidade subsidiária, a questão de igualdade de direitos.
À época o ministro se comprometeu a tentar, numa negociação com o Congresso, tirar o projeto da pauta. Mas como sabemos, o governo está tendo dificuldades nas negociações com o Legislativo e o Executivo. Além da crise do governo, há um problema em relação ao perfil do Congresso, que é conservador. Então, o ambiente para discutir a questão da terceirização já era difícil na composição anterior, e agora aumentou enormemente, porque a bancada ligada ao capital privado e aos empresários é muito grande.
O Congresso é impermeável ao tema da terceirização, porque ele não se sensibiliza com as causas dos trabalhadores. Nesse contexto, as centrais sindicais, a CUT, a intersindical, a Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil – CTB têm sido mais incisivas em se opor ao projeto, juntamente com o fórum.
Arthur Maia, relator do projeto, começou a procurar as centrais sindicais para discutir o projeto de lei. Sua intenção é apresentar um relatório que incorpore as demandas das centrais sindicais a fim de apresentar em plenário um projeto construído “em consenso” com elas. Há duas semanas ele começou a fazer esse diálogo, e na ocasião disse que não iria procurar a CUT, porque já sabia da posição da Central. No dia 31 de março ele fez uma reunião com todas as centrais sindicais em Brasília, e a CUT também foi convidada. O quadro está muito difícil, porque quatro centrais sindicais expressaram apoio ao projeto: a Força Sindical, a Central dos Sindicatos Brasileiros – CSB, a União Geral dos Trabalhadores – UGT e a Nova Central Sindical. As únicas que se mostraram completamente contrárias ao PL foram a CTB e a CUT.
Por quais razões as demais centrais se posicionaram favoráveis?
Elas se posicionaram favoráveis, mas com ressalvas. Esses processos de discussão e de propostas sempre são dinâmicos. Então, na reunião do dia 31 as centrais apresentaram apoio com ressalvas em relação à questão da representação sindical pela categoria profissional da contratante e com ressalvas à questão da negociação coletiva. Na reunião, Paulinho, que era representante da Força Sindical, apresentou três emendas.
A primeira é que a entidade sindical deve ser comunicada com dez dias de antecedência sobre a possibilidade de contratar prestação de serviço. Isso é uma bobagem, porque comunicar com dez dias significa simplesmente comunicar; isso significa que não se submete a contratação a uma discussão anterior com a entidade sindical. A segunda diz respeito ao fato de que se a prestadora de serviço for da mesma categoria profissional da contratante, o trabalhador seria representado pelo sindicato da categoria da contratante e seria contemplado pelo acordo coletivo, porque pertence à mesma atividade econômica.
Essa é outra bobagem, porque já é assim que funciona; ou seja, se uma empresa metalúrgica contrata o serviço de uma empresa de autopeças, a empresa de autopeças já é representada pelo sindicato dos metalúrgicos. O que não se discute é que a atividade terceirizada é feita por empresas que prestam serviço de outras atividades econômicas. O problema não é ter o direito à mesma convenção coletiva. Tem de se compreender que o local de trabalho pode apresentar especificidades, então, a empresa pode ter um salário totalmente diferenciado, direitos próprios conquistados no local de trabalho e nada disso é incorporado por essas duas propostas de emenda.
As centrais que sinalizaram acordo em relação à aprovação do projeto de lei tiveram prazo até 03 de abril para apresentar suas propostas. Mas Arthur Maia deixou muito claro que não tem acordo em relação ao tema da restrição à terceirização na atividade-fim. Então, não se tem diálogo sobre um dos aspectos mais importantes a ser alterado no PL, que é justamente a proposta irrestrita de terceirização. Ele sinalizou que pode discutir talvez a responsabilidade solidária, a representação sindical, mas isso não significa que ele vai incluir essas questões no relatório final, porque ele está representando interesses de setores econômicos.
Alguns aspectos do projeto, que evidentemente não há nenhuma possibilidade de serem alterados, a saber, a restrição da terceirização apenas na atividade-meio, a responsabilidade solidária e a igualdade de direitos ao local de trabalho, são os pressupostos com os quais a CUT, a CTB e o fórum vêm tentando negociar.
Além disso, alguns ministros têm, em função das medidas provisórias, se reunido com as centrais sindicais. Numa reunião que ocorreu no dia 25 de março o tema foi pautado e o ministro Rossetto se comprometeu em tentar retirar do Congresso o projeto da terceirização, trazê-lo para dentro do Executivo e criar uma comissão quadripartite. Essa tentativa está sendo buscada. Estamos tentando costurá-la.
Como foi a reunião com o ministro Rossetto no dia 06 de abril?
O ministro explicou que o governo tem uma posição crítica em relação ao conteúdo do PL, reconhece que o projeto além de ser precarizador, pode disseminar um processo de multiplicação de contratação a partir de pessoas jurídicas e isso tem um impacto objetivo sobre as contas públicas, sobre o recolhimento do INSS, do fundo de garantia, sobre a renda de trabalho, porque qualquer emprego via terceirização implica em redução da renda. Então, o governo está preocupado com a possibilidade de aprovação do projeto e está se empenhando em retomar a promessa junto às centrais sindicais, de retirar o projeto do caráter de urgência em que ele está colocado e de retomar a proposta de uma comissão quadripartite.
Concorda que a pressa tem o objetivo de evitar que a decisão acabe partindo do Judiciário? O que deve acontecer caso o PL acabe no Judiciário?
No Direito do Trabalho, nos estados e no Tribunal Superior do Trabalho – TST, há um conjunto de juízes e magistrados muito sensíveis a esse tema, defendendo uma legislação mais protetora do trabalho. Essa defesa tem representado condenações milionárias a empresas que já tiveram de pagar mais de dois bilhões de reais por conta de terceirização irregular, como aconteceu com a Cenibra, de Minas Gerais. A empresa, inclusive, recorreu dessa decisão pedindo que o Supremo Tribunal Federal – STF julgue o caso e que o resultado do julgamento sirva para todas as decisões dos Tribunais em relação ao tema.
Esse caso também foi um desastre para nós, porque a composição do STF é totalmente desfavorável para as causas trabalhistas, e um julgamento pelo STF também seria ruim, ainda mais com repercussão geral, porque aí os Tribunais gerais teriam de se submeter a essa decisão, e obviamente a decisão seria desfavorável para nós, reconhecendo que a prática da empresa de terceirizar a atividade-fim não é uma prática condenável.
Por conta desse caso, as entidades sindicais e organizações do trabalho entraram com uma ação no STF para provar que a prática da terceirização, como estava sendo realizada, ia contra os preceitos constitucionais da igualdade e direito no trabalho, que são preceitos fundamentais do Direito do Trabalho e da Constituição.
Para nós, também não é conveniente que o STF se posicione sobre esse tema. Os empresários, obviamente, preferem que o PL seja aprovado no Congresso; eles estão muito incomodados porque tem uma quantidade enorme de processos correndo nos tribunais e uma série de ações no Ministério Público, condenando as empresas com base na jurisprudência 331, que orienta as decisões nos tribunais. A 331 é muito clara ao proibir a terceirização na atividade-fim, e o que as empresas têm permitido é a prática da terceirização na atividade-fim.
Neste contexto atual, as empresas se sentem inseguras em relação ao quanto elas podem terceirizar, porque elas querem terceirizar tudo. Só que existem amarras, existe uma jurisprudência que impede isso. Elas estão sendo condenadas, estão tendo que pagar passivos enormes e querem aprovar um projeto de lei para se sentirem seguras e poderem terceirizar todos os tipos de atividades. O problema é que com a aprovação da PEC 4330 a prática da terceirização ocorrerá de forma irrestrita. Ou seja, todos os trabalhadores que já trabalham como terceirizados, que sonham com a possibilidade de se tornarem trabalhadores efetivos, não terão essa oportunidade. Quem é efetivo hoje poderá virar terceirizado amanhã, e quem está entrando no mercado de trabalho vai entrar pela porta da terceirização. Ou seja, nós podemos chegar a uma situação em que a empresa será um ambiente onde não precisará haver um trabalhador efetivo, será um conjunto de trabalhadores prestadores de serviços vindos de diferentes atividades econômicas e categorias profissionais.
Se isso acontecer, os trabalhadores perderão a identidade enquanto trabalhadores, perderão o vínculo de solidariedade, as relações de pertencimento, o local de trabalho, as relações de classe, a representação sindical. Além disso, os rendimentos serão reduzidos, direitos serão rebaixados.
É possível pensar em um projeto de lei adequado para regulamentar a questão da terceirização, sem causar prejuízo ao trabalhador?
Claro, nós trabalhamos com uma regulamentação. Defendemos um projeto que tenha cinco pressupostos: a proibição da terceirização na atividade-fim; a responsabilidade solidária; a questão dos mesmos direitos do local de trabalho; a prevalência da negociação coletiva mais favorável ao trabalhador; e a representação sindical por atividade, ou seja, pela atividade econômica preponderante, que é completamente diferente do que se está discutindo agora.
Há um projeto, que está na Casa Civil, que tem todos esses pressupostos e que foi elaborado em 2009, junto com centrais sindicais, Ministérios da Justiça, Ministério do Trabalho e Secretaria de Assuntos Estratégicos. Já pressionamos o governo para enviar o projeto para o Congresso, mas o governo, em algum momento, decidiu que esse tema deveria ser tratado a partir da relação entre capital e trabalho, e que o Estado não iria se envolver diretamente em uma proposta de regulação pública para uma legislação para o tema.
Nós já encaminhamos vários pedidos, apelamos à presidente e a vários ministros para que o projeto fosse aprovado, mas continua parado. A estratégia do governo é: “negociem e tentem esgotar todas as possibilidades, e melhorar o projeto no que for favorável”. Contudo, neste contexto favorável aos empresários no Congresso, Arthur Maia não tem absolutamente nenhuma sensibilidade para incorporar qualquer aspecto no projeto que favoreça os trabalhadores e devolva os direitos.
Qual é o impacto da terceirização para o mercado de trabalho brasileiro, caso o projeto seja aprovado?
Aumentará esta forma de contratação, sem dúvida nenhuma. Hoje já se estima que há entre 12 e 15 milhões de trabalhadores terceirizados. Para mim, este é um cálculo rebaixado; imagino que o número seja muito maior e vai crescer, porque vai dar segurança jurídica às empresas para terceirizar mais e mais. Certamente a prestação de serviços vai crescer na área de atividade-fim. Hoje esta prática prevalece na atividade-meio, mas vai adentrar todos os processos produtivos, vai representar o rebaixamento de direitos, porque normalmente os contratos de trabalho estão vinculados a empresas prestadoras de serviços que já têm pisos salariais menores e menos direitos constituídos e conquistados na convenção coletiva. Isso pode representar uma queda enorme dos rendimentos médios reais dos trabalhadores. Vai ser um desastre do ponto de vista do mercado de trabalho.
Qual é a relação entre a terceirização e a precarização do trabalho?
A relação é direta, porque o trabalhador terceirizado tem uma rotatividade maior e permanece no local de trabalho metade do tempo de um trabalhador efetivo. Além disso, ele está sujeito a condições de trabalho mais precárias, inclusive a acidentes de trabalho. A maioria dos acidentes de trabalho e acidentes de trabalho fatais em grandes empresas, como a Petrobras e empresas do setor elétrico, estão relacionadas com trabalhadores prestadores de serviços, todos associados com trabalhadores de empresas terceirizadas. Então, o descuido, a falta de atenção, a falta de treinamento e de condições de trabalho para os terceirizados ainda é muito maior, porque a empresa que presta serviço não dá treinamento adequado e a empresa que contrata não está preocupada com isso, e sim com que a pessoa, durante o serviço, cumpra com o contrato. Mas as condições em que isso será realizado, com que perfil de trabalhador isso será feito, pouco interessa.
A contratação pode se dar tanto pela prestação de serviços como pela disseminação de pessoas jurídicas. Profissionais liberais, como advogados, contadores, economistas, profissionais da área de telecomunicações, são convidados a rescindir seus contratos, a romper seus vínculos de trabalho e a abrir uma empresa para prestar serviços para empresas. Nessa nova condição, eles trabalham 12, 14 horas por dia, com salários muito menores.
Os empresários argumentam que com a terceirização aumentará a oferta de emprego. Como interpreta essa afirmação?
Vivemos hoje uma situação de quase pleno emprego. Mesmo com o advento da propagada crise econômica, ainda não há estatísticas de aumento de desemprego. Se o desemprego ocorrer hoje, será determinado pela ausência de crescimento econômico e pelas medidas de ajuste fiscal que têm um caráter contracionista que não impulsiona a atividade econômica. Os problemas no mercado de trabalho não se resolvem na forma de contratação, pois a crise de emprego é decorrente do baixo dinamismo econômico.
Caso o projeto de lei da terceirização seja aprovado, as empresas irão eliminar os postos de trabalhos efetivos e irão contratar um prestador de serviço que fará o mesmo trabalho, provavelmente com salário menor.
Como funciona a legislação sobre terceirização em outros países?
O Brasil é um dos poucos países que realmente não tem legislação. Recentemente, há dois anos, foi aprovada uma legislação no México, muito semelhante a que está sendo proposta no Brasil, e ela representou um desastre do ponto de vista do trabalhador. O setor bancário, por exemplo, foi um dos setores mais afetados pela nova legislação, que aniquilou com a categoria. Em outros países, como a Colômbia, a Argentina e o Uruguai, a mudança não representou melhoria nas condições de trabalho, não implicou aumento de empregos.
De modo geral, o fato de terem sido regulamentados alguns aspectos relacionados com a contratação das prestadoras de serviços não representou em hipótese alguma a ampliação de direitos e melhoria das condições de trabalho nesses países. As soluções no mercado de trabalho não podem ser vistas a partir do próprio mercado de trabalho. Essa é uma solução para os empresários, para os grupos econômicos; em hipótese alguma é uma solução para os trabalhadores e para a classe trabalhadora.
(Entrevista publicada originalmente no site do Instituto Humanitas Unisinos)
0 Comentários