Por Wagner Romão (Presidente da Associação de Docentes da Unicamp – ADunicamp), Maria Caramez Carlotto (Presidente da Associação de Docentes da Universidade Federal do ABC – ADUFABC) e Fabio Venturini (Presidente da Associação de Docentes da Universidade Federal do Estado de São Paulo – ADUNIFESP)
Entre os dias 4 e 8 de fevereiro, na Universidade de São Paulo, ocorreu provavelmente o maior Congresso da história do ANDES, Sindicato Nacional de Docentes das Instituições de Ensino Superior, nos seus quase quarenta anos de existência. Participaram 460 delegadas e delegados de 86 seções sindicais, além de dezenas de observadores e convidados, totalizando quase 700 professores e professoras de todo o país, reunidos para debater os rumos do movimento de defesa do ensino superior público.
Em nossa visão, tamanha participação teve dois motivos principais, ambos ligados às funções do Sindicato Nacional na atual conjuntura.
Em primeiro lugar, a ampla participação foi efeito direto dos duros ataques que a educação, em especial em nível superior, vem sofrendo tanto por ação de Bolsonaro-Weintraub-Guedes quanto dos seus congêneres nos estados e municípios. Os ataques não param: redução do investimento em ensino e pesquisa, desvalorização dos professores, mudanças autoritárias no sistema da pós-graduação, corte de bolsas, ameaça à política histórica da Capes e do CNPq, programas aventureiros como o Future-se, militarização das escolas, erros no ENEM, propostas de corte e redução de salários. Isso para não falar das graves ameaças à autonomia universitária e à liberdade de cátedra, bem como da nossa indignação frente ao desrespeito com que o atual ministro Weintraub trata educadores e educadoras e a educação.
Professores universitários de todo o Brasil têm percebido que, neste terrível momento histórico, o Sindicato Nacional tornou-se, mais do que nunca, um instrumento essencial para a organização da nossa resistência. Somos presidentes de associações docentes filiadas ao Andes-SN e, diariamente, nos procuram professoras e professores aflitos/as quanto ao que podemos fazer para defender a educação pública do país e lutar contra esse estado de coisas. A ida ao Congresso do ANDES-SN foi, portanto, uma tentativa de buscar respostas através da troca de experiências com docentes que vivem situações semelhantes em suas universidades. Nossa aposta era na possibilidade de, através do diálogo aberto, organizar o movimento docente nacional em outro patamar. Infelizmente, apesar de todo o seu potencial, o 39˚ Congresso do ANDES-SN não possibilitou, a nosso ver, nem uma coisa nem outra. E isso tem a ver com a segunda razão pela qual o Congresso do ANDES-SN deste ano teve tamanha participação.
No nosso entender, sua grandeza se deve, em segundo lugar, a uma crescente insatisfação dos docentes que compõem a base do ANDES-SN com o modo como o Sindicato Nacional vem sendo conduzido nos últimos anos, o que se culminou na profunda incapacidade com que ele vem enfrentando os ataques de Bolsonaro-Weintraub-Guedes. A principal crítica se dirige à dificuldade da atual Diretoria do Andes-SN em romper com práticas políticas obsoletas, pautadas em um misto de burocratismo e sectarismo político, que tem conduzido o ANDES-SN a um inadmissível imobilismo e a uma constrangedora perda de legitimidade. Isso é patente na fragilidade com que o Sindicato Nacional se coloca tanto na defesa da educação pública quanto dos avanços obtidos pelas políticas públicas em diversos setores, desde a Constituição de 1988.
Dois exemplos de posições da Diretoria no Congresso expressam bem este sectarismo isolacionista.
O primeiro deles se deve à decisão da Diretoria em defender a permanência do ANDES-SN na central sindical CSP-Conlutas, atualmente hegemonizada pelo que sobrou do PSTU. Havia um forte apelo nos grupos de trabalho e na plenária do Congresso pela saída imediata da CSP-Conlutas. Muitos docentes não sabem, mas esta central se destaca, dentre as diferentes centrais sindicais do país, pela recusa em engajar-se nas lutas recentes pela defesa da democracia brasileira, em especial, na luta contra o Golpe de 2016 e pelo reconhecimento da perseguição jurídica sofrida pelo ex-presidente Lula. Essa posição tem isolado politicamente a CSP-Conlutas e, com ela, o ANDES-SN. Menos porque os movimentos, fóruns e partidos que colocaram a defesa da democracia como uma de suas prioridades se recusam a militar ao lado da CSP-Conlutas e mais porque ela se recusa a reconhecer, nesses movimentos, interlocutores políticos legítimos, a despeito de todas as diferenças. As críticas violentas e, muitas vezes, moralistas a movimentos, partidos e fóruns que têm sido fundamentais na resistência a Bolsonaro é, a nosso ver, injustificável em um contexto em que precisamos, mais do que nunca, de unidade.
Por isso, na nossa visão, a CSP-Conlutas coloca-se, hoje, como uma “bola de ferro” a impedir o Andes-SN de ampliar sua relação com outras forças políticas do campo progressista. Além disso, a CSP-Conlutas segue mantendo uma análise absolutamente equivocada da conjuntura política, como fica claro na sua insistência em negar, até hoje, o golpe de 2016 e, como neste caso, toda a força da ofensiva conservadora na América Latina. Considerando-se que um dos papeis de uma central sindical é auxiliar seus sindicatos filiados a analisar a conjuntura e a agir nela, novos erros podem aprofundar nosso fracasso na defesa das universidades e do funcionalismo público, em um momento em que precisamos, urgentemente, reagir.
O voto dos grupos que sustentam a atual Diretoria do Andes-SN foram fundamentais para se aprovar uma resolução que adia – novamente – a desfiliação do ANDES-SN da CSP-Conlutas, negando ao nosso Sindicato a autonomia que ele tanto precisa para ampliar sua capilaridade política.
O segundo exemplo é a posição dessa mesma diretoria pela não participação do Andes-SN no Fórum Nacional Popular de Educação (FNPE). Este Fórum é, hoje, o mais importante espaço de resistência aos desmandos de Weintraub e Bolsonaro na educação, atuando ativamente para pressionar o governo federal a implementar as urgentes ações propostas pelo Plano Nacional de Educação (PNE) até 2024.
O FNPE articula 35 entidades nacionais do campo da educação – entre elas a UNE, a UBES, a FASUBRA, o MST, a Contag, o CEDES (Centro de Estudos Educação & Sociedade), a Campanha Nacional pelo Direito à Educação, a ANPG, a CUT, a CTB, o Fórum EJA, o Proifes, a ANPED, a ANDIFES, a ABGLT, entre tantas outras associações e entidades da sociedade civil que militam no campo da educação. De maneira inexplicável, a não ser pelo sectarismo que já destacamos, a atual direção vem se recusando a atuar na FNPE.
As votações em plenário sobre estes dois temas foram bastante divididas mas, ao fim, prevaleceu a posição da Diretoria.
A nosso ver, esses são dois grandes equívocos na condução de um Sindicato Nacional formado por mais de 70 mil docentes sindicalizados, que representa uma categoria constituída por cerca de 300 mil professores e professoras, das mais diferentes posições políticas e que deveria estar liderando o movimento de defesa da educação e da ciência e tecnologia no nosso país.
A esses equívocos se somam outros, talvez ainda mais graves, como a recusa de enfrentar debates necessários, tais como o papel das novas tecnologias na nossa organização sindical, vertentes não precarizadas de ensino à distância, alternativas de modelos e financiamento público ao ensino superior, entre outros. Em nome de uma conservadora defesa de posições “históricas” do sindicato, nega-se a legitimidade de debates fundamentais, o que contribui para isolar o ANDES-SN da sua própria base, os professores e professoras do ensino superior público de todo o Brasil.
Por fim, mas não menos importante: a forma com que a Diretoria do ANDES organizou e conduziu o 39˚ Congresso fez os quase 700 professores e professoras reunidos em São Paulo dedicar cinco dias de suas energias a discussões em que sobraram formalismos e tabus e faltaram debate efetivo, renovação de ideias e, principalmente, organização política. Saímos tão despreparados quanto entramos para enfrentar os ataques do governo Bolsonaro e congêneres. Seguimos sem uma pauta clara, sem um discurso articulado, sem uma linha política forte e inovadora capaz de mudar a conjuntura de destruição da educação por um movimento fundamentalista e ultraneoliberal que só cresce.
Somos um dos maiores sistemas científicos do mundo. Temos um complexo e bem articulado sistema público, laico e gratuito de educação. Uma universidade pública forte, nacional, democratizada e em processo de consolidação e o Andes-SN precisa ser articulador efetivo da grande frente em sua defesa. Não fará isso, no entanto, se não for capaz de, primeiro, articular a base de 300 mil professores de ensino superior público que compõe a sua base.
Precisamos, urgentemente, repensar os rumos no nosso Sindicato Nacional. Disso depende, sem dúvida, a defesa vitoriosa da universidade pública brasileira e da educação, ciência e da tecnologia que ela produz. Infelizmente, a atual Diretoria não parece estar à altura deste desafio.
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