“A autonomia e o financiamento das universidades estaduais paulistas sofrem questionamentos e ataques desde o início, mas nunca estiveram tão em risco quanto agora.”
A opinião é de Sebastião Neto Ribeiro Guedes, professor da Unesp em Araraquara e diretor da Associação dos Docentes da Unesp (Adunesp). Ele foi um dos expositores no debate “Como ficará o financiamento das universidades estaduais paulistas com a reforma tributária?”, realizado pelo Fórum das Seis em 25/6/2024, no campus da Unesp de Bauru, cuja íntegra está disponível no Youtube. Michele Schultz, presidenta da Adusp e coordenadora do Fórum, e José Luís Pio Romera, diretor do Sindicato dos Trabalhadores da Unicamp (STU) e membro do GT Verbas da Adusp/Fórum das Seis, compuseram a mesa. A apresentação coube a Jorge Cerigatto, diretor do Sindicato dos Trabalhadores da Unesp (STU).
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O tema é dos mais relevantes. Com a aprovação da reforma tributária pelo Congresso Nacional em dezembro passado (já sancionada como Emenda Constitucional nº 132/2023), é certo que haverá impactos diretos ao financiamento das universidades estaduais paulistas.
Já se sabe que o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) será extinto e, em seu lugar, será criado o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS). Esse novo imposto começará a vigorar progressivamente a partir de 2026, até substituir plenamente o ICMS, em 2033.
Atualmente, é de uma parcela do ICMS – mais especificamente, 9,57% da Quota-Parte do Estado (QPE), que corresponde a 75% do total do total arrecadado – que provêm os recursos para a Unesp, a Unicamp e a USP. Respectivamente, elas recebem 2,34%, 2,19% e 5,02% do ICMS-QPE.
O debate em Bauru deixou claro que, mais do que uma questão técnica, a definição de um novo formato de financiamento para estas instituições é essencialmente política e exigirá mobilização da comunidade acadêmica.
Guedes fez parte do grupo de trabalho constituído pelo Conselho de Reitores das Universidades Estaduais Paulistas (Cruesp) para estudar os cenários da reforma tributária e definir uma proposta a ser negociada com o governo. Ele considera que a conjuntura política é complexa, pois o governo do estado tem uma direção bastante conservadora, assim como a maioria na Assembleia Legislativa. O GT do Cruesp, que contou com representantes das três universidades, procurou trabalhar com uma proposta “neutra”, segundo Guedes, considerando que o “x da questão” será o embate político.
Proposta do GT do Cruesp é 8,63% da receita total líquida
O GT do Cruesp procurou definir uma proposta de substituição da atual fonte de recursos – o ICMS – por uma alternativa dentro dos parâmetros instituídos pela reforma tributária. O estudo concluiu que os atuais 9,57% do ICMS-QPE correspondem a 8,63% da Receita Tributária Líquida (RTL) do Estado. “Com esse percentual, as universidades manteriam o mesmo nível de financiamento atual, nem mais nem menos”, disse Guedes.
Para a implementação da proposta, o GT apontou ao Cruesp duas perspectivas. “A situação ideal, que garantiria grande segurança jurídica, é a de inserir, por meio de emenda à Constituição paulista, o repasse do percentual de 8,63% da Receita Tributária Líquida”, explicou Guedes.
Caso isso se mostre difícil, frente às dificuldades de acordo com o governo e aprovação na Alesp, o GT sinaliza uma solução que considera “precária, mas oportuna, por garantir relativa segurança jurídica”: a alteração do que está previsto no Decreto nº 29.598/1989, que estabeleceu a autonomia das três universidades em 1989, inserindo ali os 8,63% da RTL. Nos últimos 35 anos, é esse decreto que tem orientado a elaboração anual da Lei de Diretrizes Orçamentárias, a LDO.
Guedes ressaltou que, na opinião dos membros do GT, “num cenário ou no outro, seria possível garantir a autonomia universitária”.
Autonomia foi e será produto da luta da comunidade acadêmica
“Se hoje as universidades estaduais têm essa qualidade, isso deve em grande medida à autonomia que foi conquistada lá atrás”, lembrou Pio Romera.
Foi após uma grande greve em 1988, quando a comunidade das três universidades prosseguiu mobilizada mesmo após a volta ao trabalho das demais categorias do funcionalismo, protagonizando grandes manifestações públicas, que o então governador Orestes Quércia assinou o famoso “decreto da autonomia” (Decreto nº 29.598, de 2/2/1989). De cara, um problema se apresentou: Quércia determinou que as universidades passariam a ser mantidas com um percentual do ICMS-QPE, de 8,4%, que supostamente teria sido calculado sobre a média de repasses dos três anos anteriores. Ocorre que a média de repasse no período foi de 11,6% do ICMS-QPE.
Nos anos seguintes, a luta da comunidade universitária forçou a elevação do índice: para 9% em 1992 e 9,57% em 1995, percentual que vigora atualmente e ainda insuficiente para fazer frente às necessidades de ensino, pesquisa e extensão nas estaduais paulistas.
A coordenadora do Fórum das Seis mostrou dados que comprovam a insuficiência dos recursos atualmente destinados às estaduais paulistas. Michele Schultz citou a expressiva expansão de campi, cursos e vagas a partir dos anos 2000, sem que houvesse a devida contrapartida de recursos. Nem mesmo compromissos assinados pelo então governador Geraldo Alckmin, de ampliação de recursos após a expansão, foram cumpridos.
O número de campi, cursos, vagas, dissertações e teses, entre outros indicadores, aumentou muito nesse período. Estudo elaborado pelo Fórum das Seis, comparando dados de 1995 com 2021, mostram que o total de estudantes de graduação, por exemplo, cresceu 100% na Unesp, 104% na Unicamp e 81,7% na USP. Entre os estudantes de pós-graduação, o crescimento também impressiona: respectivamente 110,1%, 102,4% e 49,6%. Já o total de docentes e técnico-administrativos manteve-se igual ou sofreu redução no mesmo período.
Michele também lembrou a existência de algumas “manobras” feitas pelo governo estadual, que reduzem em média cerca de 2,9% os valores repassados às universidades. Ao fazer descontos indevidos da quota-parte do estado no ICMS antes do repasse – tirando itens como Habitação, juros e mora – os 9,57% acabam incidindo sobre valores rebaixados. Levantamento feito pelo GT Verbas da Adusp/Fórum das Seis mostra que, de agosto/2022 a abril/2023, cerca de R$ 7 bilhões foram descontados indevidamente da base de cálculo dos 9,57%, o que corresponde a um prejuízo em torno de R$ 670 milhões para Unesp, Unicamp e USP. Sobre isso, leia mais no Boletim do GT Verbas, em https://bit.ly/bgtv0624
A recusa do Cruesp em defender proposta conjunta com o Fórum
O GT Verbas da Adusp/Fórum das Seis também se debruçou sobre a reforma tributária e seus impactos sobre o financiamento das universidades. Os estudos feitos levaram em conta os valores atualmente repassados e, também, como ficaria o repasse sem os descontos indevidos e com percentuais a maior por conta da ampliação.
Considerando os critérios atuais – os 9,57% do ICMS-QPE, com os descontos indevidos – o GT Verbas chegou a números bem parecidos aos do GT do Cruesp.
“Dado o cenário político difícil, com um governo que já deu várias mostras de que não vê a autonomia com bons olhos, seria importante que houvesse uma proposta conjunta entre Fórum das Seis e Cruesp, o que nos fortaleceria na negociação política”, destacou Pio Romera.
Até este momento, a postura dos reitores tem sido de recusa a esta possibilidade. Na negociação da data-base, em 16/5, o reitor da Unicamp, Antônio José de Almeida Meirelles (Tom Zé), justificou: “Cada um deve agir em seu campo de atuação.”
É preciso aprofundar o debate
Além de criticar os limites da postura do Cruesp, ao rejeitar uma ação conjunta com as entidades representativas da comunidade em defesa do financiamento adequado, a coordenadora do Fórum das Seis ressaltou a importância de aprofundar o debate sobre o tema.
Ela levantou preocupações sobre uma das possibilidades apontadas pelo GT do Cruesp – de buscar inserir na Constituição paulista um percentual fixo de repasse às universidades. Michele citou situações de outros estados, como o Rio de Janeiro, que chegou a inscrever em sua Constituição uma dotação fixa para as universidades estaduais, decisão posteriormente revogada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), por ocasião do julgamento de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI nº 4.102-RJ, em outubro de 2014). O entendimento do STF foi de que não cabia à Constituição do estado, ou lei infraconstitucional, vincular qualquer percentual ou valor orçamentário a determinado destino específico, salvo no caso das agências de fomento à pesquisa, pois para estas há previsão constitucional federal neste sentido.
“Precisamos estudar isso e tudo o que envolve o assunto, para termos clareza sobre o melhor caminho a percorrer”, apontou.
O Fórum das Seis pretende promover novos debates sobre este e outros aspectos que cercam a luta pelo financiamento a partir da reforma tributária.
Defesa do financiamento e da autonomia: O momento de agir é agora!
Em sua exposição, a coordenadora do Fórum das Seis lembrou a série de ataques que o governo Tarcísio tem desferido contra a educação e o conjunto dos serviços públicos. Ela citou a aprovação das escolas cívico-militares na Alesp, em votação realizada sob forte repressão policial aos manifestantes; a aprovação da privatização da gestão de escolas estaduais (a primeira licitação, prevista para setembro, deve alcançar 33 escolas); o ataque à Fapesp (NR: No dia seguinte à realização do debate em Bauru, a Alesp aprovou a LDO/2025 com a possibilidade de corte de até 30% do orçamento da Fapesp em 2025); a tramitação da PEC 9 (que prevê a redução dos recursos da educação pública paulista de 30% para 25% dos recursos do Estado); a privatização de órgãos públicos, como a Sabesp (já aprovada), o Metrô e a CPTM; a possível venda de órgãos públicos (como sinalizado no ‘Plano São Paulo na Direção Certa’, decreto nº 68.538/2024, publicado no Diário Oficial de 23/5/2024); a reforma administrativa; entre outros.
Frisando que é com esse governo que deverá ser negociada a definição de um novo parâmetro de financiamento para as universidades estaduais paulistas, Michele alertou que a luta precisa começar desde já. “Dado o contexto em nosso estado, também temos que disputar um programa político nas eleições de 2026, pois será um mandato que se estenderá até 2030, período decisivo para a implantação da reforma tributária.”
“Temos que reagir à altura aos ataques desse governo. Precisamos estar mobilizados em defesa da autonomia e do financiamento das universidades, pois o risco é grande”, finalizou.
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A íntegra do debate
A gravação do debate “Como ficará o financiamento das universidades estaduais paulistas com a reforma tributária?” pode ser conferida em: https://tinyurl.com/debateF6
Materiais de consulta
– Exposição do Prof. Sebastião Neto Ribeiro Guedes: https://bit.ly/apressg
– Exposição da Profa. Michele Schultz: https://bit.ly/apresms
– Estudos do GT Verbas Adusp/Fórum das Seis: https://bit.ly/bfuep23
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