Considerações sobre a “Nota contra represálias nas universidades”, de 3 de Agosto de 2016 e divulgada pela ADunicamp em 11 de Agosto de 2016


[box type=”info”]Divulgação realizada por solicitação do Prof. Antônio Augusto Fasolo Quevedo (FEEC), na condição de sindicalizado. O conteúdo do texto não reflete necessariamente a posição da ADunicamp, de sua Diretoria ou de qualquer outra instância da entidade. Toda e qualquer responsabilidade por afirmações e juízos emitidos cabe unicamente ao autor do texto.[/box]
Após ler a referida nota, e discordando de uma série de distorções dos fatos apresentadas no texto, não podia de eximir de expor minha opinião. Gostaria de destacar algumas frases de efeito da nota original, entre aspas, e apresentar minha argumentação logo após cada trecho.
“A universidade é um espaço de exercício da democracia por conta da diversidade de opiniões.”
Esta primeira fase não será questionada, simplesmente por estar correta. Mas ela não serve de respaldo para o restante do texto, pois o mesmo não se refere ao verdadeiro sentido da “democracia”, como vou expor.
“Quando atos punitivos começam a recair sobre estudantes, professores e servidores, que estão livremente, e no exercício de seu direito, manifestando as suas opiniões e lutando pela melhoria de suas condições de trabalho e o caráter público do ensino (…)”
Não vou questionar a legitimidade da “luta” dos indivíduos citados. Questiono os métodos que vêm sendo utilizados nesta “luta”. É princípio básico no Direito que a legitimidade de uma reivindicação não autoriza a quebra da lei com o objetivo de concretizá-la. Onde está a democracia, quando um grupo minoritário (20 ou 30 pessoas) impede um funcionário público de exercer sua função, o que, mesmo em período de greve, é seu direito?
“(…) é importante que as forças não reacionárias da comunidade acadêmica e da sociedade civil se levantem contra essa situação e para a defesa da preservação da liberdade de expressão.”
Aqui é utilizado um rótulo generalista. O texto conclama a participação de “forças não reacionárias”. Que forças seriam estas? Isto quer dizer que os que não concordam com os métodos usados para “se levantar contra esta situação” são “reacionários”? Seriam então as atitudes de piquetes e “trancaços” uma forma “não reacionária” de expressão?
“Eventual utilização, por qualquer autoridade universitária, de procedimentos administrativos contra, em especial, lideranças de movimentos estudantis, de servidores e de professores, conspira contra a Constituição e contra os atributos próprios do administrador público, que não deve tratar como inimigos a serem derrotados aqueles que questionam, democraticamente, suas deliberações.”
Não consigo perceber nenhuma “conspiração contra a Constituição” na “utilização de procedimentos administrativos”, sejam eles “contra” docentes, alunos ou funcionários. A nota parece querer induzir o leitor a pensar que a instauração de um processo administrativo contra qualquer pessoa é inconstitucional. O texto associa o processo administrativo a uma eventual “perseguição” de “inimigos”, em uma generalização inadequada. Pelas conversas que tive com docentes que recentemente se manifestaram pela apuração dos fatos, acredito que estes docentes não querem “perseguição”, “revanchismo” ou “vingança”, mas desejam que a Justiça seja feita para evitar que os abusos cometidos recentemente voltem a acontecer no futuro.
É curioso que os signatários do texto parecem se esquecer de alguns princípios básicos do Direito, dentre os quais se destaca o princípio do “devido processo legal”, exigência constitucional para apuração de irregularidades, como ocorreram no presente caso. Ora, para que toda Lei tenha eficácia, ela precisa prever a punição correspondente para os casos de descumprimento da mesma. É um paradoxo dizer que é contra a Constituição usar os procedimentos previstos em Lei para as devidas apurações de fatos ilícitos e, no caso de comprovação dos mesmos, aplicar a punição prevista na devida medida. Uma Lei sem previsão de penalidade para seu descumprimento é letra morta!
“A greve é a manifestação mais expressiva da participação democrática dos mais diversos segmentos da sociedade, sendo inclusive protegida no art. 9º da Constituição do país (…)”
Mesmo um direito estabelecido na Constituição tem limites estabelecidos, então vamos ler o que diz a Lei 7783, de 28 de Junho de 1989, conhecida como “Lei de Greve”. Seu artigo 2º determina: “Para os fins desta Lei, considera-se legítimo exercício do direito de greve a suspensão coletiva, temporária e pacífica, total ou parcial, de prestação pessoal de serviços a empregador.” Ora, os alunos não estão prestando nenhum serviço a algum empregador. A Lei de Greve pressupõe a relação empregado-empregador, que não é a relação que existe entre os alunos e a Universidade. Aplica-se sim a Lei para docentes e funcionários que paralisem suas atividades. Entretanto, o Art. 6º, § 1º determina: “Em nenhuma hipótese, os meios adotados por empregados e empregadores poderão violar ou constranger os direitos e garantias fundamentais de outrem”. O § 3º diz que “As manifestações e atos de persuasão utilizados pelos grevistas não poderão impedir o acesso ao trabalho nem causar ameaça ou dano à propriedade ou pessoa”. Ou seja, qualquer ato de piquete ou “trancaço” fere o direito fundamental de ir e vir, segundo a Constituição Federal, Art. 5, parágrafo XV: “é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens”. Não cabe aqui a alegação de “direito coletivo que se sobrepõe ao direito individual”, usado muitas vezes pelo comando de “greve” estudantil e replicado por docentes que os apoiam. Existem formas de reivindicação que não envolvem restrições aos direitos individuais, portanto não existe nem mesmo um conflito de direitos. Manifestantes podem promover caminhadas em vias públicas, divulgação de suas ideias por cartas abertas ou em redes sociais (dentro dos princípios legais), ou por outras formas. Entretanto, piquetes e “trancaços” são uma afronta ao artigo constitucional.
Além da Lei 7783 e da Constituição, podemos citar o Código Penal, Art. 331 – Decreto Lei 2848/40: “Desacatar funcionário público no exercício da função ou em razão dela. Pena: detenção, de seis meses a dois anos, ou multa”. Também o Regimento Geral da UNICAMP, Título X (Do Regime Disciplinar), Artigo 227, cita as infrações à disciplina. Entre elas, estão “praticar atos definidos como infração pelas leis penais, tais como calúnia, injúria, difamação, rixa, vias de fato, lesão corporal, dano, DESACATO, jogos de azar”, “promover algazarra ou DISTÚRBIO”, “cometer ato de DESRESPEITO, DESOBEDIÊNCIA, desacato ou que de qualquer forma, importe em indisciplina”, e “praticar manifestações, propaganda ou ato de caráter político-partidário ou ideológico, de discriminação religiosa ou racial, de incitamento ou de APOIO À AUSÊNCIA AOS TRABALHOS ESCOLARES” (grifos meus). Assim, há vários dispositivos legais que se aplicam aos fatos ocorridos, e que demandam, por obrigação de cargo, a administração desta Universidade a realizar os devidos processos administrativos, sob pena de prevaricação. Não faz sentido o trecho da nota que afirma que “a utilização inadequada de procedimentos administrativos que tenham por finalidade servir como instrumento de desvio de poder para punir estudantes”. Isto são meras conjecturas, desprovidas de verdade e com intuito único de confundir o leitor. Sabe-se que os atos da Administração são dotados de legitimidade e que eventuais desvios de poder ou finalidade tornam nulo o referido ato.
Considerando então estes pontos, chego finalmente a um panorama sobre os fatos.
O discurso, muito usado pelos alunos grevistas, que “o piquete é válido porque estamos lutando pelo que é certo” não se sustenta. As possibilidades de reivindicação sem quebra da lei não foram devidamente exploradas. Um grupo minoritário de alunos decidiu quebrar a lei, tentando justificar os piquetes e bloqueios com uma pauta “justa”. A finalidade não pode justificar o descumprimento de leis e normas.
O outro discurso apresentado, que “estamos lutando por algo justo, portanto não merecemos ser punidos”, também é inválido. Todo ato deve estar escudado na legalidade. Querer “lutar” fazendo o que quer, sem limites, e sem aceitar enfrentar as consequências de seus atos, é um comportamento totalmente impróprio para aqueles que deveriam ser nossos futuros profissionais e cidadãos. Estes alunos, apoiados por alguns docentes por razões não muito claras, insistem em uma anistia total pelos atos por eles cometidos. Este comportamento pode ser tranquilamente classificado como, no mínimo, irresponsável, e me surpreende ver os signatários do texto apoiando tal comportamento.
Gostaria de deixar um exercício de pensamento que mostra claramente a falha deste raciocínio: Imagine o docente que tenha seu direito de dar aula ameaçado por um grupo de alunos que bloqueiam a porta de sua sala. O docente considera que sua “causa” em lecionar, e a “causa” de seus alunos de assistir a aula, é justa, e por esta razão considera que pode usar qualquer meio para garantir seu sucesso. Assim, saca uma pistola e atira nos alunos que estão bloqueando a entrada. Afinal, sua causa é justa, e isto o autoriza a quebrar a lei!
Fica claro que as leis devem ser cumpridas, sob pena de desordem social. E não existe cumprimento espontâneo da lei sem que estejam previstas as penalidades aplicáveis no caso de seu descumprimento. Abrir mão de aplicar as normas estimula as pessoas a não cumpri-las. As leis existem para manter a sociedade funcionando, e não para oprimir o cidadão. Por tudo isto, sou favorável à apuração de todas as irregularidades ocorridas durante a paralisação dos estudantes, e à justa aplicação das leis, na medida correta.
 
Prof. Antônio Augusto Fasolo Quevedo
FEEC / UNICAMP


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