[box type=”info”]Divulgação a pedido de um grupo de docentes sindicalizados. O conteúdo do texto não reflete necessariamente a posição da ADunicamp, de sua Diretoria ou de qualquer outra instância da entidade. Toda e qualquer responsabilidade por afirmações e juízos emitidos cabe unicamente ao autor do texto.[/box]
Por Dalmo de Abreu Dallari
Está ficando próximo o momento em que os Senadores deverão fazer uma opção: ou decidem a favor do impeachment inconstitucional ou em defesa da Constituição e dos legítimos interesses do povo brasileiro. Quando da votação relativa à instauração ou não do processo no Senado, para verificação da existência de fundamento para exame da pretensão de decretação do impeachment, proposta ostensivamente apresentada por políticos inconformados com a derrota sofrida na disputa das eleições presidenciais e, a par disso, apoiada por intolerantes e oportunistas incapazes de aceitar democraticamente a decisão legítima e indiscutível do povo brasileiro, muitos Senadores declararam que votariam a favor da instauração do processo, mas dizendo que isso não significava o reconhecimento de que a Presidente Dilma tivesse praticado algum ato que justificasse seu afastamento definitivo. Dos oitenta e um Senadores cinqüenta e cinco votaram a favor do início do processo e vários desses fizeram declarações ressalvando expressamente que sua decisão final dependeria dos elementos que fossem colhidos durante a instrução, podendo ser pela decretação do impeachment ou pela restauração da Presidente no exercício pleno do mandato conferido por 54 milhões de brasileiros em eleições livres e democráticas.
Assumindo interinamente a Presidência da República, o Vice-Presidente, embora sendo provisória sua situação na chefia do Executivo, passou a tomar decisões que alguns criticaram porque afetaram pontos substanciais das ações de governo em andamento ou acarretaram o esvaziamento ou o enfraquecimento de setores públicos de relevante interesse social, como a educação e a cultura. Ministros foram substituídos e logo se verificou que havia influências ocultas em várias das escolhas dos novos Ministros, alguns deles sem a mínima qualificação para o Ministério que lhes estava sendo entregue, como também foi ficando muito clara a influência de interesses ocultos no tratamento dado pelo governo provisório a pontos fundamentais da soberania brasileira. Os defensores ostensivos do impeachment passaram a apresentar aparentes fundamentos jurídicos para sua pretensão, mas os analistas jurídicos sem vinculação político-partidária logo demonstraram a absoluta inconsistência da pretensa fundamentação.
Entre os fundamentos invocados surgiu com insistência a afirmação de que irregularidades graves teriam ocorrido e ainda estariam ocorrendo na Petrobrás. E nessa linha foi feita a afirmação de que quando dirigente da Petrobrás Dilma Rousseff tinha sido omissa na punição de funcionários corruptos. Logo foi ficando evidente que a Petrobrás estava, de alguma forma, na base da pretensão de impeachment. Com efeito, os artigos 85 e 86 da Constituição estabelecem a possibilidade de impeachment, mas exigem que se comprove que no exercício do mandato presidencial, ou seja, do mandato de Presidente da República que está exercendo, o Presidente tenha praticado ato que configure crime de responsabilidade. E o que se alegava é que tinha havido uma omissão ou seja, uma ausência de ato, que teria acontecido quando ela era dirigente da Petrobrás, ou seja, muito antes de ela receber o mandato de Presidente da República. Denunciado o absurdo dessa pretensa fundamentação, prosseguiu, de várias formas, a busca de justificativas para a afirmativa de que a Petrobrás deve ser entregue à iniciativa privada para que não seja um meio de corrupção. Na realidade, as reservas brasileiras de petróleo são cobiçadas pelo capitalismo internacional há muito tempo e a criação da Petrobrás, em 1953, foi uma conquista do povo brasileiro, que participou intensamente de manifestações em defesa dos interesses brasileiros que adotavam o lema “O petróleo é nosso”. E agora, com o petróleo deixando de ser nosso e sendo entregue a empresas multinacionais, ficou mais do que evidenciado que a verdadeira raiz da proposta de impeachment são os interesses econômicos do grande capital.
Isso ficou ainda mais escancaradamente comprovado quando, no final de Julho, o Presidente da Petrobrás defendeu com grande ênfase, pedindo rápida decisão do Legislativo, um projeto que retira da Petrobrás o direito de participar com pelo menos trinta por cento em consórcios que explorem o pré-sal. E essa entrega da reserva petrolífera brasileira ao capitalismo internacional foi concretizada no dia 29 de Julho, quando a Petrobrás anunciou a venda de um de seus ativos do petróleo que os especialistas consideram dos mais promissores, o bloco onde está localizada a área de Carcará, na Bacia de Santos, considerada uma das mais importantes descobertas dos últimos anos. Quem assume o controle e a exploração dessa reserva brasileira é uma empresa com base na Noruega, sendo essa a primeira vez que a Petrobrás se desfaz de um campo no pré-sal. Sem o afastamento da Presidente Dilma isso não teria sido feito, o que deixa mais do que evidente a verdadeira motivação do impeachment.
Por tudo o que acaba de ser exposto, é necessário que os Senadores, que deverão julgar se foi comprovada a ocorrência de atos da Presidente Dilma Rousseff que justifiquem a imposição do impeachment, coloquem em primeiro lugar seu compromisso com a Constituição e os valores éticos e jurídicos nela consagrados. É preciso que tenham em conta que a imposição do impeachment sem um fundamento jurídico claro e preciso será uma agressão ao povo brasileiro. As divergências políticas e os interesses pessoais ou partidários devem ficar em plano inferior, dando-se absoluta prevalência ao interesse público, que é interesse do povo, só tendo justificativa um voto a favor do impeachment se ficar claramente e indiscutivelmente comprovada a ocorrência de ato da Presidente que deixe fora de dúvida que ela teve a intenção de praticar um ato configurado na lei como crime de responsabilidade e que efetivamente o praticou. Mas, pela gravidade dessa decisão, os Senadores que estiverem convencidos de que deverão votar a favor da imposição do impeachment deverão fundamentar expressa e claramente sua decisão, com a consciência de que o que for decidido será depois minuciosamente analisado e avaliado e isso terá grande peso em sua história.
Os elementos colhidos e expostos até agora só têm confirmado a absoluta inconsistência dos argumentos com os quais se tem pretendido justificar a proposta de impeachment. Com base no que já está claramente evidenciado, pode-se concluir que o afastamento da Presidente Dilma Rousseff não teve fundamento jurídico e foi manifestamente contrário à Constituição. Assim sendo, deve ser-lhe devolvida a plenitude do exercício do mandato presidencial, em respeito à vontade inequívoca do povo brasileiro que a elegeu por ampla maioria, em eleições livres e democráticas.
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