Lutas sangrentas permanecem vivas em territórios indígenas, dizem lideranças em evento na ADunicamp


O desmonte das medidas legais de proteção dos povos e territórios indígenas, perpetrado durante o finado governo de Jair Bolsonaro, além de ter deixado marcas profundas e dificilmente recuperáveis na floresta, fizeram explodir lutas sangrentas pela posse da terra que ainda se mantêm vivas por todo o país. “Na Amazônia, os grandes grileiros quase sempre com apoio do poder público utilizam pequenos proprietários para invadir os territórios indígenas, abrindo o caminho para grandes grilagens”, explicou a e indigenista Neidinha Surui, durante a roda de conversa realizada no auditório da ADunicamp após a exibição do filme “O Território”, nesta terça-feira, 18 de abril. A roda de conversa foi mediada pela professora Artionka Capiberibe, do Departamento de Antropologia do IFCH/Unicamp.

O documentário “O Território” (Brasil, Dinamarca, EUA/2022), várias vezes premiado em festivais de cinema por todo o mundo e indicado para o Oscar no ano passado, retrata exatamente o conflito entre pequenos agricultores e os 10 povos, cinco deles ainda isolados, que habitam as terras Uru-eu-wau-wau, em Rondônia. Neidinha, líder da Associação em Defesa Etnoambiental Kanindé integra a etnia Curui e mantém há décadas uma luta sem tréguas em defesa do território. Ela é uma das produtoras e a personagem que conduz a narrativa do documentário.

Luiz Medina Guarani, estudante de Administração Pública na Unicamp, também participou do encontro e fez um relato sobre a violência que ocorre contra os indígenas no Mato Grosso do Sul e que, segundo ele, é apoiada pelo governo estadual que põe as polícias em defesa de grileiros. “Neste momento, temos 10 lideranças indígenas presas no estado porque tentaram barrar a construção em terras indígenas de um muro que vem sendo erguido por uma grande incorporadora que tem grilado terras indígenas.”

Neidinha afirmou que o documentário, assim como encontros como esse promovido pela ADunicamp, são essenciais neste momento de acirramento do debate sobre o território e as questões indígenas. “A gente está numa disputa de narrativas e temos que deixar claro para a nossa gente e para quem defende a nossa gente que nem todo o não indígena não é bom. Às vezes a gente, diante de tanta pressão que sofremos no momento, acaba generalizando.” Para ela, o momento exige uma troca profunda de diálogo e informações para que a população brasileira conheça não só a importância do território indígena na proteção da floresta, mas a amplitude e o conhecimento da cultura indígena.

Os próprios pequenos agricultores invasores de terras indígenas, segundo ela, poderiam ser integrados ao diálogo, em busca de soluções alternativas às invasões, caso houvesse um interesse real dos poderes públicos em buscar essas alternativas. “Mas eles são armados e financiados pelos grandes grileiros e totalmente tomados pelo discurso contra os indígenas e seus territórios.”

O discurso de ódio contra os indígenas é histórico no Brasil, vem desde os tempos do Brasil Colônia, mas exacerbou-se durante o governo Bolsonaro, que desmontou avanços conquistados nas últimas décadas pelas resistências indígenas. Durante a pandemia da Covid-19, relatou Neidinha, foi preciso convocar a Polícia Militar para levar vacinas às aldeias isoladas na floresta, pois invasores armados haviam cercado os caminhos para impedir a passagem das entidades assistenciais.

O documentário mostra claramente essa realidade. Ele foi filmado durante três anos com duas direções. Por exigências de Neidinha e de lideranças das aldeias, foram os próprios indígenas que filmaram todo o relato da vida deles e da luta em defesa do território. “Exigimos que fornecessem equipamentos de alta qualidade e ensinassem gente nossa a manusear. Então tudo o que está no documentário sobre nós foi feito por nós, com o olhar do indígena, e relata a nossa vida e a nossa luta real.”

Também por exigência das lideranças, uma segunda equipe integrada por não indígenas fez o mesmo e documentou durante os três anos o cotidiano e a vida dos pequenos agricultores na área das invasões. “Nos cansamos desta coisa de heróis ou vilões quando gente de fora trata de questões indígenas. O que buscamos com esse documentário é mostrar a situação real que acontece aqui e em nossos territórios.”

É exatamente em busca dessa realidade, lembrou Luiz Guarani, que há hoje uma grande produção de filmes e documentários indígenas feitos e produzidos pelos próprios indígenas. “No Mato Grosso do Sul temos a Associação de Realizadores Indígenas, com vasta produção. A nossa luta hoje é para ocuparmos todos os espaços possíveis, por isso estamos também nas universidades, para dialogarmos com toda a sociedade.”

RESISTÊNCIA INDÍGENA

A exibição do documentário e a roda de conversa fizeram parte da programação da Semana de Resistência dos Povos Indígenas, voltada especialmente para os estudantes indígenas da Unicamp, mas aberta a todo o público, promovida pela ADunicamp em parceria com o Caipi (Comissão Assessora para Inclusão Acadêmica e Participação dos Povos Indígenas), órgão ligado à DeDH (Diretoria Executiva de Direitos Humanos) da Universidade.

No dia anterior, 17 de abril, foi promovido o encontro “Bem-Viver, Permanência e Território dos(as) estudantes indígenas na Unicamp”. O documentário foi exibido também na cidade de Limeira, onde há muitos/as estudantes indígenas, no Cine Vagalume, sala de cinema da Faculdade de Ciências Aplicadas da Unicamp, onde também ocorreu uma roda de conversa com o professor Rodrigo Ribeiro (Direitos Indígenas) e Luiz Felipe Medina (graduando de Administração Pública), mediada pela professora Josely Rimoli (FCA).

“Esses encontros têm como objetivo trazer para o centro do debate a questão urgente da permanência dos(as) estudantes indígenas na Universidade. Esta questão – que exige um enfrentamento imediato – traz consigo questões mais profundas, que não dizem respeito apenas aos(as) estudantes indígenas, mas à Universidade como um todo: epistemicídio, racismo, gestão de território, relações corpo-subjetividade e território, e por aí vai.

Se realmente desejamos uma universidade plural, democrática, justa e enriquecida por múltiplas formas de ser e de saber, essa é a hora de agir. Esse assunto diz respeito a todos, todas e todes nós, indígenas e não indígenas. Ou você acha que estamos “saudáveis e felizes”, diz a Carta de Apresentação dos eventos.

FOTOS
Paula Vianna/ADunicamp

SAIBA MAIS

– ‘Território’ é questão central para bem-estar e permanência de indígenas na Universidade

 


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