CARTA RESPOSTA DOS DOCENTES DA UNICAMP AO JORNAL FOLHA DE SÃO PAULO


Nós, docentes da Unicamp, repudiamos publicamente o editorial intitulado “Greve na Torre de Marfim”, publicado pela Folha de São Paulo no dia 25 de maio de 2016.
O texto insinua que a greve dos docentes das estaduais paulistas tem como pauta única a reivindicação do aumento salarial, dando a entender que eles seriam levianos, fisiológicos e preocupados apenas com os próprios rendimentos. Contra uma universidade supostamente isolada da sociedade e insensível à crise político-econômica do país, o editorial defende a elitização do ensino público a partir da solução privatista da cobrança de mensalidades. No lugar da alegada “torre de marfim”, o projeto incauto doshopping center universitário.
Não é novidade a posição assumida pela Folha de São Paulo nessa discussão de caráter eminentemente político. Primeiramente, seu editorial se alinha de forma clara ao governo interino que, desde suas primeiras ações, vem devastando os pilares da produção de conhecimento no País: extinguiu o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação assim como fez com o Ministério da Cultura, tendo recriado este último, de maneira não menos improvisada, após intensa pressão da sociedade. Enquanto ataca professores e a universidade, a Folha aceita e se omite diante de um ilegítimo Ministro da Educação que se notabilizou rapidamente por defender um projeto privatista do ensino, recebendo em seu gabinete indivíduos que prestam um desserviço à educação e à sociedade. A Folha endossa as pautas do governo estadual paulista, governo que já há algum tempo promove o desmonte sistemático do ensino público e gratuito. Diante disso, entendemos claramente que a deterioração salarial não é apenas uma questão de depreciação da nossa categoria: ela integra um processo paulatino de desmonte contra o qual nos insurgimos.
É importante salientar que a opinião editorial veiculada pela Folha não é apenas equivocada: ela revela sua má-fé na análise simplória da questão, no ataque reiterado à universidade pública e na proposta excludente e elitista de cobrança de mensalidades.
Isso é expresso, por exemplo, na omissão deliberada a respeito do papel do governo estadual na deterioração do orçamento das universidades, comprometido pela subtração indevida de recursos da base de cálculo do ICMS que deveriam ser repassados integralmente à USP, à Unicamp e à UNESP. Além disso, nos últimos anos, as universidades estaduais paulistas ampliaram vagas e criaram novos campi sem as devidas garantias do governo estadual para assegurar essa expansão. Exemplo disso é que, em 2016, a Unicamp possua um número menor de docentes ativos do que possuía em 1995.
A pauta de reivindicações dos docentes das três universidades estaduais abrange, além do reajuste salarial, a garantia de que a universidade permaneça pública e gratuita, e que mantenha e amplie seus programas de cotas e permanência em diálogo com docentes, discentes e funcionários. É necessário assegurar não apenas que o repasse da quota-parte do ICMS destinado às universidades seja integral, sem a dedução indevida de valores para programas não relacionados ao ensino superior. Mais do que isso, defendemos também que haja um aumento desse repasse, que hoje é de 9,57%, para um valor sustentável e condizente com o impacto social, econômico e estratégico que as atividades de ensino e pesquisa, por nós empreendidas, têm para a sociedade.
Visto que a Folha também se omite quanto a isso, elencamos brevemente alguns números relativos a esse impacto: as universidades estaduais paulistas respondem por cerca de 38% da produção científica nacional. Apenas em 2014, a Unicamp registrou 78 patentes e formou 1.237 mestres, 948 doutores e 292 especialistas. Na área da saúde, realizou 36.760 internações, 61.258 e 4.807 partos. No graduação, 2.410 alunos se formaram.
Em um momento em que a Constituição e as políticas públicas para educação, cultura e desenvolvimento científico são frontalmente atacadas, é lamentável que a Folha venda à opinião pública soluções simplórias e irresponsáveis, dignas de quem ignora tanto a realidade da universidade pública quanto o segundo capítulo da Constituição Federal, que assegura a educação como um dos direitos sociais. É lamentável que a Folha se furte uma vez mais ao debate sério e ao papel que um veículo de comunicação responsável deveria desempenhar em um momento crítico como o que vivemos.
Afinal, quem mesmo está isolado em uma torre?
COMISSÃO DE MOBILIZAÇÃO – GREVE DOCENTE UNICAMP 2016
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