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A aprovação pelo Consu (Conselho Universitário) da Unicamp da proposta de implantação do sistema de cotas étnico-raciais no Cotuca e no Cotil, decidida na terça-feira, 2 de maio, é resultado de um longo debate e trabalhos realizados por docentes e alunos/as nos dois colégios técnicos desde que o sistema foi instituído na universidade, em 2017.
“É uma conquista histórica. E com um recado claro à sociedade: nosso projeto de colégios da Unicamp está voltado a reduzir desigualdades raciais e sociais históricas do nosso país. Queremos potencializar trajetórias de formação de pessoas que não teriam essas oportunidades, democratizar o acesso a nossos colégios técnicos e ter uma representação melhor da sociedade nas nossas instituições de ensino. Reconhecemos a necessidade de contribuir no combate ao racismo e à desigualdade social”, avalia o professor André Pasti, coordenador do Grupo de Trabalho que discutiu o projeto de cotas no Cotuca e membro do CR (Conselho de Representantes) da ADunicamp.
A proposta, aprovada pelo Consu com 71 votos favoráveis e apenas duas abstenções, estabelece que 70% das vagas oferecidas pelos dois colégios serão destinadas a alunos vindos da rede pública de ensino. As cotas serão adotadas já no vestibulinho de 2021.
O LONGO DEBATE
Pasti relata que, a partir de ações do Crioules (Coletivo Negro Estudantil), a direção do Cotuca criou, em 2018, a Comissão Étnico-Racial, que elaborou a primeira proposta de implantação das cotas. A proposta foi debatida amplamente com toda a comunidade escolar e aprovada já em maio de 2018. Em seguida, a proposta foi encaminhada e amplamente discutida também, antes de ser aprovada, pela comunidade do Cotil.
O professor André Albino, que integrou a comissão responsável pela elaboração da proposta do Cotil, conta que ali os encaminhamentos puderam ser muito mais rápidos. “Tivemos algumas facilidades que garantiram maior agilidade no processo. A proposta já havia sido aprovada no Cotuca e a própria Universidade possuía um sistema de cotas. Sabemos o quanto esse trabalho inicial de, simplesmente, levar a questão a debate é árduo. Por isso, considero uma vantagem para o Cotil termos essa fase já vencida”, avalia Albino.
Albino lembra que a proposta teve, desde o início, o apoio total da Diretoria Executiva de Ensino Pré-Universitário e da própria Direção do Cotil. “Todo o formato de estudo e argumentação já havia sido preparado pela comissão do Cotuca. Tínhamos, então, em mãos um projeto excelente, com uma proposta ousada de um lado, mas muito bem desenvolvida de outro”, diz.
Coube então, à comissão do Cotil, adaptar a proposta às condições específicas do colégio e sua região. “E, após um estudo demográfico da professora Camila Fraisoli sobre as regiões de Limeira, Piracicaba e Campinas; e ensaios matemáticos do professor Murilo Tabosa, com dados dos últimos ingressantes, chegamos a uma proposta muito parecida com a proposta do Cotuca, que foi aprovada em nossa congregação”, relata.
Após isso, as comissões dos dois colégios voltaram a se reunir para fundir as propostas num consenso. “E isso foi alcançado com bastante tranquilidade”, afirma Albino.
O professor Pasti lembra que proposta inicial foi elaborada a partir de um amplo diálogo, do qual participaram também os coletivos negros da Unicamp, a Cader (Comissão Assessora de Diversidade Étnico-Racial), do Observatório de Direitos Humanos da Unicamp, a Cemt (Comissão de Ensino Médio e Técnico) e a Reitoria da Universidade.
RESPOSTAS CORRETAS
“A proposta atende muito bem às necessidades identificadas, o que foi comprovado por uma série de simulações que fizemos com dados reais dos vestibulinhos”, avalia Pasti. Ele destaca que ela está bem fundamentada em evidências e parte, principalmente, de dados demográficos: a proporção da população preta, parda ou indígena do Estado de São Paulo, que é de 37,2%, e a proporção de alunos da rede pública no Ensino Fundamental II, que é de 80,5% no Estado e 78,2% na RMC (Região Metropolitana de Campinas).
Assim, a proposta buscou aproximar desses percentuais todos os cursos dos dois Colégios. Serão criadas cotas mínimas de 35% para pessoas pretas, pardas ou indígenas da escola pública e mais 35% para pessoas oriundas da escola pública, totalizando um mínimo de 70% de vagas para a rede pública para cada curso e turma.
“Outra virtude é não criar ‘portas de entrada separadas’, onde o aluno teria que escolher concorrer às cotas ou à ampla concorrência. O aluno se identifica na inscrição, faz a declaração étnico-racial e da escola de origem e o sistema de ingresso garante as proporções, permitindo a alunos pretos da escola pública, por exemplo, preencherem vagas tanto das cotas quanto da ampla concorrência. Além disso, já estão previstas as ações de combate às fraudes em vigência na Unicamp”, aponta Pasti.
DESIGUALDADE HISTÓRICA
O professor Edson Joaquim dos Santos, do Cotuca e também integrante da diretoria da ADunicamp, relata que a luta pela ampliação da abrangência social nos dois colégios já vem de longa data.
“São dois colégios antigos, o Cotuca tem idade da Unicamp e o Cotil é só um pouco mais jovem. E sempre seguiram o modelo da Unicamp, com o processo seletivo realizado com o chamado vestibulinho”, diz.
Como os dois colégios sempre muito procurados, mantinha-se sempre um nível alto de concorrência. “Mas sempre houve um incomodo, que causava maior ou menor apreensão. As provas sempre acabavam trazendo muitos alunos egressos de setores que já têm privilégios sociais, que estudaram em escolas melhores, particulares, e isso acabava inevitavelmente elitizando o Cotuca”, aponta.
De acordo com Edson, essa elitização era claramente estampada no padrão de cor de pele e de origem social dos alunos, com raros que não fossem brancos. “Assim, os colégios acabaram sempre não espelhando o conjunto da sociedade de Campinas em região”, diz.
Edson lembra que um debate mais aprofundado dessa questão passou a tomar corpo, nos colégios e em outras universidades brasileiras, a partir de meados dos anos 2.000. A partir de 2005 foram criados programas de incentivo, como o que atribui pontos adicionais para alunos egressos de escolas públicas e para pretos, indígenas e pardos.
“O investimento em cursos noturnos também ajudou a ampliar a diversidade, assim como os cursos técnicos não vinculados ao ensino médio e que atraem perfis específicos. Esse tipo de modalidade atraiu um público mais velho e diretamente vinculado aos trabalhadores, ao mercado de trabalho”, relata Edson.
Embora esses avanços tenham ampliado a abrangência social nos dois colégios, sua ocupação ainda permanece muito distante do perfil demográfico da região. “Por isso, a conquista das cotas étnico-raciais e sociais vem de encontro a um debate que já vínhamos travando há muitos anos nos colégios”, afirma.
Edson destaca a importância das lideranças docentes e também da ADunicamp no processo que levou à construção da proposta e aprovação final das cotas. “Você vê a atuação de um professor como o André Pasti, por exemplo, que se empenhou a fundo. Soube dialogar com todos os setores, construir um consenso. E a ADunicamp apoiou integralmente todo o processo, desde o início”, aponta ele.
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