[box type=”info”]Divulgação realizada por solicitação do professor José C. Geromel (FEEC), na condição de sindicalizado. As opiniões expressas nos textos assinados são de total responsabilidade do(a)s autore(a)s e não refletem necessariamente a posição oficial da entidade, nem de qualquer de suas instâncias (Assembleia Geral, Conselho de Representantes e Diretoria).[/box]
Por José C. Geromel
“Durante a minha vida, me dediquei à luta do povo africano. Lutei contra a dominação branca, e lutei contra a dominação negra. Eu defendi o ideal de uma sociedade democrática e livre, na qual todas as pessoas vivem juntas em harmonia e com oportunidades iguais. É um ideal para o qual espero viver e conseguir realizar. Mas, se preciso for, é um ideal para o qual estou disposto a morrer.”
Nelson Mandela, Pretória, 20 de Abril de 1964.
Segundo essas generosas palavras, um atributo essencial de um país democrático e livre é o de assegurar oportunidades iguais a todos os seus cidadãos. Para poder viver em harmonia, é imperativo reconhecer que ninguém tem privilégios em relação aos demais.
Nesses dois importantes aspectos, o nosso país não é um exemplo a ser seguido. Nossas mazelas são imensas. Não vivemos em harmonia, há cercas e muros em todos os lados, a violência urbana chegou a níveis endêmicos e a falta de cuidado com o cidadão, sobretudo com as crianças, é clara e evidente. Parece que não estamos preocupados em construir, pelo menos em parte, aquela sociedade ideal retratada na citação acima.
Neste exato contexto, em especial durante a infância e a adolescência, é muito importante que todos tenham a mesma garantia de acesso à saúde, educação e cultura. Somente desta forma, em seguida, no decorrer da vida, os cidadãos podem disputar as oportunidades com igualdade de forças e se sentirem partícipes da construção de um futuro melhor, com base no exercício pleno da cidadania.
Por aqui, no nosso país, não há igualdade de oportunidades, pois os pobres partem em franca desvantagem. E, dentre eles, a maioria composta por negros e pardos enfrenta ainda maior dificuldade devido ao preconceito. Assim sendo, é pertinente levar em conta a raça, mas é a renda familiar que deve nortear a definição de uma política de ação afirmativa justa, correta e eficaz.
Desde 2004, a UNICAMP tem aprimorado ao longo do tempo, diversas regras e possibilidades de acesso com o objetivo claro de torná-la uma universidade mais inclusiva. Com este propósito norteador, implantou com relativo sucesso ações através do PAAIS – Programa de Ação Afirmativa e Inclusão Social – complementadas, em seguida, pelo PROFIS – Programa de Formação Interdisciplinar Superior. Agora, certamente, é tempo de ir além e adotar um sistema de ingresso baseado em cotas. Nada será perdido, ao contrário, ganharemos em todos os aspectos. Sobretudo, o país ganhará com a inclusão social de muitos e com os seus reflexos positivos no âmbito da sociedade em geral.
A proposta do GT cotas que está em discussão merece aplausos. Foi bem elaborada e bem articulada com argumentos e dados. Ademais, traz pontos interessantes que devem ser prontamente acolhidos. Dentre eles destaco:
1. Ingresso via desempenho em olimpíadas ou similares.
2. Vestibular indígena.
3. Participação no SISU. A meu ver, a proposta é tímida (em termos do número de vagas disponibilizadas), mas é um bom ponto de partida. Talvez um dia o SISU, sistema de ingresso com abrangência nacional, possa selecionar todos os nossos alunos.
Porém, a proposta não discute e, portanto, não contempla o aspecto essencial que acabamos de discutir, qual seja a utilização da renda familiar como critério de inclusão. Não levar em conta este aspecto contribui para deslocar ainda mais para o alto o espectro social dos alunos ingressantes. É preciso, portanto, concentrar nossos esforços para atender as expectativas dos mais pobres. Eles necessitam, de fato, de uma chance efetiva para que possam estudar na melhor universidade do país.
No passado, a UNICAMP não tomou esta cautela ao definir as regras do PAAIS. Temos agora a oportunidade de enfrentar e resolver este problema. Neste sentido, proponho que o CONSU acolha o seguinte conceito norteador: Só poderá se beneficiar de regras que visem à inclusão, o candidato que tenha renda familiar bruta igual ou inferior a 1,5 (um inteiro e cinco décimos) salário-mínimo per capita. O limiar de renda sugerido segue a chamada lei das cotas, já em vigor no âmbito das universidades públicas federais.
Alguns argumentam que a autodeclaração de renda é difícil de ser verificada, viabilizando assim a fraude. Não acredito. A maioria esmagadora honesta promove, pelo exemplo, a autorregulação do sistema. Aliás, isto está ocorrendo com a autodeclaração étnico-racial. Existem fraudes, mas em número ínfimo e decrescente. Apostar na sinceridade de propósitos e responsabilidade de cada um aprimora o todo.
O texto divulgado pelo GT cotas (item 1.4.1), embora não de maneira definitiva, faz uma afirmação que permite elaborar uma forma indireta de impor restrições sobre a renda. Ela nos leva a propor o seguinte conceito alternativo: Só poderá se beneficiar de regras que visem à inclusão, o candidato que tenha cursado o Ensino Fundamental II e o Ensino Médio em escolas da rede pública. A vantagem óbvia deste conceito em relação ao anterior é de ter aproximadamente o mesmo efeito, mas eliminar a necessidade da autodeclaração de renda.
É um grande prazer ver a nossa universidade assumir a liderança das universidades brasileiras. Será um prazer, ainda maior, vê-la na vanguarda ao adotar regras de inclusão que contemplem de forma explícita as mais legítimas aspirações dos mais pobres, independentemente de qualquer outro atributo. Eles terão orgulho e esperança ao verem, pela primeira vez, seus filhos inseridos em um ambiente singular que lhes ensinará não só as ciências e as artes, mas como devem se preparar para contribuir de forma decisiva para o futuro do nosso país.
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