PEC-32 quer desmonte e privatização de serviços públicos e, se aprovada, vai ampliar a desigualdade social no país


Ao contrário do que se espera de uma reforma, a melhoria daquilo que vai ser reformado, a chamada Reforma Administrativa proposta pelo Governo Federal na PEC-32, que tramita no Congresso Nacional, vai desmontar os serviços públicos, desqualificar a qualidade dos profissionais de atendimento e ampliar a desigualdade social no país, ao dificultar o acesso das populações mais vulneráveis a eles.

Essas avaliações foram feitas pelo diretor Administrativo da ADunicamp, professor Edson Santos (Cotuca) e pelo presidente do SindQuinze (Sindicato dos Servidores Públicos Federais da Justiça do Trabalho da 15° Região), Ivan Bagini, no debate Reforma Administrativa. Quem vai ganhar com isso?”, promovido neste sábado, 13 de agosto, pela Rádio Comunitária Noroeste, de Campinas. O debate foi mediado pelo radialista e diretor da Rádio, Jerry de Oliveira.

“É fato que o serviço público aponta algumas deficiências no Brasil e que certos setores deveriam ser mais eficientes. Isso ocorre principalmente na gestão e o que se espera é que os gestores tenham qualificação técnica, mas vemos muito gestores com baixa qualificação, indicados por governantes por terem feito trabalho de campanha para políticos, candidatos. E essas coisas precisavam ser corrigidas. E com investimentos em qualificação”, afirmou o professor Edson.  

Mas o que a PEC-32 propõe vai na direção exatamente contrária, ou seja, a desqualificação ainda maior de agentes do serviço público, com a redução drástica de concursos. Somada ao fim da estabilidade no emprego, também proposto na PEC, a redução de concursos vai liberar governantes de plantão para demitir quem queira e contratar aliados políticos.

E na opinião de Edson, em vez de propor a melhor qualificação de trabalhadores/as, docentes e profissionais de saúde “que estão nas escolas, postos de saúde, arrumando as ruas”, que é o que se deveria se esperar de uma reforma, a “PEC chega com essa proposta de desqualificação total”. “E, obviamente, a desqualificação de profissionais vai impactar seriamente todos os serviços públicos”.

A VOLTA DOS ‘BARNABÉS’

Edson lembrou que até a promulgação da Constituição Cidadã, de 1988, não existiam concursos para o serviço público no Brasil. Ivan Bagini contou que, exatamente por causa disso, desde o começo do século passado agentes do serviço público eram apelidados de “barnabés”.

O termo, tirado de uma música satírica da época, correspondia, segundo Ivan, ao chamado “puxa-saco”. “Para se manter no emprego, o barnabé era obrigado a ser subserviente e bajular governantes, fossem quem fossem”. Os concursos não só colocaram limites nessa situação, mas democratizaram o acesso ao emprego público.

O critério de seleção no concurso público é a maior capacitação dos/as candidatos/as. “Não importa se é alto ou baixo, branco ou negro, gordo ou magro”, avaliou Ivan. E foi isso que permitiu que pessoas de todas as etnias, opções sexuais e classes sociais pudessem disputar cargos públicos, sem indicações políticas ou de amizades no poder. 

“A forma mais democrática de buscar um emprego é o concurso. Qualquer um que estude e se prepare pode chegar ao cargo. Com a PEC-32 vamos regredir 40, 50 anos”, ponderou o professor Edson.

Ao contrário do que acontecia no passado, a Constituição também estabeleceu regras claras para a atuação no serviço público. “O servidor não atua da forma como ele quer. Não tem um gerente, um diretor, que defina vai fazer assim ou assado. As leis estabelecem como o servidor público deve atuar, sempre com base na impessoalidade e moralidade. Não pode fazer aquilo que quer, mas aquilo que a legislação determina”, apontou Ivan. 

‘ESTRADA DE PRIVATIZAÇÃO’

Para o presidente do SindQuinze, a PEC-32 pretende claramente “abrir uma estrada de privatização” dentro dos serviços públicos, entregando setores essenciais para a iniciativa privada, num processo que já “vem ocorrendo de forma acelerada, desde 2016, com empresas públicas”.

“As pessoas mais antigas, como nós, vão lembrar que antes da Constituição de 1988 não tínhamos leis que regulamentassem o funcionamento do serviço público. O aprimoramento e a fiscalização só vieram depois”, afirmou Ivan.

Os dois debatedores lembraram que, ao contrário daquilo que propalam os defensores da PEC, os gastos com serviços estão na essência da gestão do Estado. Afinal, segundo eles, serviço público é aquilo que a população recebe em troca do imposto que paga, direta ou indiretamente. 

“E quando se faz uma Reforma Administrativa que abre uma avenida para a participação de empresas privadas no setor, temos uma inversão total da lógica. O acesso certamente será mediante pagamento. O acesso à saúde, segurança, terá que ser pago. A condição para ter direito será ter dinheiro. E as pessoas vão pagar de novo por aquilo que já pagaram em impostos. Essa é a perversidade maior dessa reforma. Quer transferir direitos da sociedade para a empresa privada, para mercantilização de serviços”, avaliou Edson.

A partir do momento em que o governo estabeleceu um Teto de Gastos nas despesas públicas engessou investimentos na melhoria da qualidade desses serviços. “Dizem que os governos estão gastando muito. Uai, mas continuam arrecadando. E para onde vai o dinheiro?”, perguntou Ivan, e respondeu: “Vai para pagar a dívida pública, favorecer a iniciativa privada, o mercado”.

Para os debatedores, todo o conjunto de reformas em curso, como o Teto de Gastos e a Reforma Trabalhista, entre outras, fazem parte de uma estratégia política e econômica neoliberal, de tirar dinheiro da iniciativa pública, dinheiro que deveria ser investido na sociedade, e transferi-lo para  iniciativa privada, para bancos e o grande capital. 

“Falam que tem que privatizar para melhorar o serviço. Vamos terceirizar que isso vai funcionar melhor. E aí o dinheiro vai para empresa privada que contrata outra e que contrata outra. No fim, pagam uma miséria para quem está realizando o trabalho em condições cada vez mais precárias. E na hora de investir, investem pouco para poder economizar mais, sempre de olho no lucro e na distribuição de propinas, parte para fulano, parte pra sicrano”, afirmou Ivan.

Os debatedores historiaram uma série de problemas, de casos de corrupção, de acidentes ambientais e queda na qualidade de serviços ocorridos no Brasil após as privatizações, tanto de empresas como de serviços públicos, mesmo em áreas vitais da saúde.

Já, na direção contrária, mesmo com limitações drásticas, o SUS (Sistema Único de Saúde) mostra a eficiência e importância do serviço público para garantir a saúde da população durante a pandemia. “O SUS perdeu 20 bilhões de reais em 2019, por força do Teto de Gastos. Na pandemia, quem está salvando o país é o nosso tão combalido SUS, fazendo das tripas coração para atender o conjunto da população”, lembrou Ivan.

A FARSA DA ECONOMIA

Edson e Ivan apontaram que todas as avaliações feitas por institutos e economistas independentes, até o momento, mostram que a aprovação da PEC-32 não promoveria cortes substanciais nos gastos públicos, como anunciam seus defensores.

Para eles, a economia nos gastos públicos que tem propagada pelos defensores da PEC-32 é “uma mentira”. 

“Sim, existe salário astronômico no serviço público. Parlamentar é um servidor público, as pessoas esquecem isso. Esse deputado, preso esta semana, recebe como salário de aposentado módicos 40 mil reais. Existem altos salários na cúpula militar, no judiciário, para ex-ministros. Esses salários não entram na reforma. Temos que destacar isso. Essa reforma é para 95% dos funcionários que ganham como a maioria da população”, afirmou Ivan

REFORÇAR A LUTA

Os dois debatedores defenderam a importância das mobilizações e da ocupação das ruas, como a Paralisação Nacional que ocorre em 18 de agosto, para pressionar parlamentares e tentar reverter a aprovação da PEC-32 no Congresso, que precisa de 308 votos, dois terços do total de deputados.

“A mobilização é a linguagem que eles conhecem. Com a pandemia, as mobilizações de rua tiveram que ser totalmente reduzidas. Mas começam a retornar. E temos que retornar com os devidos protocolos de máscaras e distanciamento”, avaliou Edson. Ele relatou que dos cinco deputados federais que dizem representar cidades da RMC (Região Metropolitana de Campinas) quatro já se manifestaram a favor da PEC-32. “E o quinto está indeciso”.

Para Ivan, temos hoje um “Congresso antipovo” e as mobilizações e pressões da população são essenciais. “A PEC-32 não é problema só de servidores públicos. Vai afetar toda a população. Por isso é importante a participação de todos e todas que puderem”.


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