[box type=”info”]Divulgado por solicitação da Profa. Wu Shin-Ting (FEEC), na condição de sindicalizada. O conteúdo do texto não reflete necessariamente a posição da ADunicamp, de sua Diretoria ou de qualquer outra instância da entidade. Toda e qualquer responsabilidade por afirmações e juízos emitidos cabe unicamente à autora do texto.[/box]
Será que só a forma como a assembléia da Adunicamp realizada no dia 20 de julho de 2016 foi convocada foi inédita? Será que só a quantidade de docentes que se reuniram naquela assembléia foi histórica? Será que só foram significativos os resultados numéricos da assembléia, em que o grupo de docentes que apoia a direção da Adunicamp conseguiu fazer prevalecer as suas opiniões?
Não! A meu ver, o que ficou de fato marcante foram os discursos inflados, até em alguns momentos hostis, contra os três itens da pauta: o desmantelamento da comissão de mobilização docente, a moção que solicita à reitoria a apuração de fatos envolvendo agressão a docentes, e a moção que solicita à reitoria segurança ao trabalho dos docentes. Estes discursos, sim, demonstram os valores que prevaleceram entre os docentes presentes na reunião e que talvez expliquem a crise de civilidade e de liderança na nossa universidade.
Para evitar desnecessárias críticas com cunho político-partidário, antes de prosseguir o meu raciocínio, esclareço que a motivação desta carta é a minha preocupação com o nosso compromisso com a qualidade de ensino e com a formação dos nossos alunos como cidadãos dignos e profissionais competentes.
Mesmo considerando que o termo “desmantelamento” não seja apropriado, eu votei a favor do item pela sua essência educativa. Acho louvável o empenho dos colegas da Comissão de Mobilização Docente que participaram de forma voluntária na intermediação entre os estudantes e a reitoria. Respeito também a posição da Comissão de alcançar os fins via diálogo, negociação e tolerância. De fato, por intermédio da Comissão, o prédio da reitoria foi desocupado depois de quase dois meses de negociações sem a presença da polícia. Porém, é de conhecimento de muitos que, no mesmo dia (7 de julho de 2016) em que os estudantes desocuparam o prédio da reitoria, fecharam o IMECC, causando prejuízos não só a toda a comunidade daquela Unidade (alunos, docentes e funcionários), mas a dezenas de visitantes de várias partes do País que tinham vindo a Campinas para participar da VII Semana de Inverno da Geofísica sediada no IMECC.
Pergunto-me se podemos considerá-la como uma operação bem sucedida quando simplesmente transferimos o problema de uma esfera para outras? Faz sentido que estes estudantes continuem interferindo nas atividades dos seus colegas e dos seus professores de forma impositiva, enquanto a Comissão comemora o sucesso da sua intervenção? Até onde é o limite da tolerância? Isso me fez lembrar o que o escritor português, José Saramago, escreveu: “…Quando se tolera, apenas se concede …”. O que está sendo praticado é tolerância ou é concessão? Em respeito aos trabalhos árduos que a Comissão teve, acredito que cabe à própria Comissão fazer uma análise mais aprofundada dos resultados por ela atingidos em termos da vida acadêmica geral da Unicamp.
Entendo os argumentos dos colegas sobre os direitos dos estudantes grevistas de se manifestarem e de criarem seus mecanismos para forçarem um diálogo com a reitoria, a fim de terem as suas reivindicações atendidas. Embora eu não concorde com todos os itens reivindicados, eu também respeito o direito deles de fazerem greve. Porém, condeno veemente as estratégias adotadas, e mais ainda, a justificativa para tais estratégias. Fiquei perplexa ao escutar na fala exaltada de um colega durante a reunião: “A luta pela educação não merece punição.”
O que é educar? Não é preparar uma pessoa para o mundo, para viver em sociedade exercendo os seus direitos e cumprindo os seus deveres? No meu entender, a moção solicita a apuração das agressões e a aplicação de regras cabíveis nos casos em que se extrapolam os limites estabelecidos – afinal, garantir o respeito às leis também faz parte da cidadania. Quando os nossos alunos utilizam artifícios que ferem os direitos assegurados pelas leis, como o direito de livre circulação do Art.5o da Constituição Federal de 1988, eles não extrapolaram as regras de boa convivência social? Até mesmo no contexto de uma greve, o Art 6o da Lei 7783 estabelece claramente que os meios adotados pelos grevistas não podem violar ou constranger os direitos dos terceiros nem causar danos às propriedades. Parece-me paradoxal bradar por legítimas as ações violentas alegadamente realizadas para alcançar um fim (educação), mas que têm em essência reprimir ações associadas ao ensino e à educação.
Concordo com as palavras de alguns colegas na assembléia que, na qualidade de docentes, precisamos controlar os nossos impulsos e dar exemplos de civilidade para os nossos alunos. Foram mencionados alguns casos em que os professores não se comportaram devidamente diante das provocações dos alunos. Dentro dos relatos de que tenho conhecimento, só houve dois ou três casos de excesso por parte dos docentes, em oposição a dezenas de casos de coerção física ou moral por parte dos estudantes. Se analisarmos os fatos sob o olhar da cidadania, estes colegas tentaram, na verdade, fazer valer os seus direitos civis. Isso não é dar um bom exemplo de cidadania, no sentido de não se intimidar diante das coerções? A meu ver, o que se deve questionar é qual exemplo de cidadania e de civilidade que estamos dando para nossos alunos quando ficou registrado, de forma inédita, que “os fins justificam os meios” é uma prática aplaudida pela maioria (220 votos x 130 votos) dos docentes presentes na assembléia.
Por fim, deixou-me intrigada o repúdio à moção que solicita à reitoria segurança ao trabalho dos docentes. De acordo com o Artigo 3o do Regimento da Adunicamp, a associação tem entre as suas finalidades a defesa dos direitos e interesses da nossa categoria, independentemente da posição partidária individual. Sendo somente 1/6 a 30/6/2016 o período de greve da nossa categoria e considerando que a Adunicamp seja a nossa entidade representadora, não é natural que os seus associados, a fim de poderem exercer suas atividades de forma plena, solicitem apoio da Adunicamp quando se sentem ameaçados com os piquetes violentos? A meu ver, se a Adunicamp representasse de fato os interesses dos seus associados, ela já deveria ter se manifestado, de forma espontânea, em defesa dos seus membros assim que a greve foi suspensa em 30 de junho de 2016.
No entanto, foi necessária uma solicitação de convocação de uma assembléia da Adunicamp assinada por mais de 180 associados para que o tema viesse à tona. Não só a moção não foi aprovada, por 211 votos x 108 votos, como foram designados pejorativamente de “fura-greve” os signatários da solicitação que, preocupados em assegurar a qualidade de ensino de um grande volume de conteúdo programático, tentam driblar as barreiras impostas pelos estudantes grevistas. Questiono-me, portanto, sobre se uma associação, como a Adunicamp, que faz distinção das convicções políticas dos seus associados na defesa dos interesses dos mesmos, está mesmo capacitada para representá-los e promover debates democráticos entre os que tem visões ideológicas divergentes. Questiono-me ainda sobre se é este o modelo de entidade que queremos mostrar para os nossos alunos.
Convido todos à reflexão: Os fins justificam mesmo os meios?
Wu Shin-Ting
FEEC – Unicamp
Agosto 2016
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