Na semana passada, a comunidade acadêmica passou a se defrontar de modo mais direto com a política de restrição orçamentária para ensino e pesquisa no estado de São Paulo, a partir de matérias veiculadas na grande mídia, como no jornal O Estado de São Paulo (12/01/2017):
A Assembleia Legislativa paulista (Alesp) retirou R$ 120 milhões do orçamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) para investir na recuperação dos Institutos de Pesquisa estaduais. Representantes da comunidade científica dizem que a medida é inconstitucional, pois viola o Artigo 271 da Constituição Estadual, pelo qual 1% da receita tributária do Estado deve ser repassado à Fapesp anualmente, “como renda de sua privativa administração”.
O projeto de lei orçamentária encaminhado à Alesp pelo Executivo previa um repasse de R$ 1,116 bilhão do Tesouro do Estado para a Fapesp em 2017, mas uma emenda apresentada de última hora pelas lideranças partidárias (incluindo a do PSDB, partido do governo) reduziu esse valor para R$ 996 milhões. Pelos cálculos da Academia de Ciências do Estado de São Paulo (Aciesp), isso equivale a 0,89% da parcela da arrecadação tributária à qual a Fapesp tem direito — ou seja, abaixo do mínimo constitucional de 1%.
A diferença, de R$ 120 milhões, foi redirecionada para “projetos de modernização” dos Institutos de Pesquisa do Estado — um conjunto de 19 instituições, que inclui os tradicionais Institutos de Botânica, Pesca, Geológico, Florestal, Agronômico de Campinas, Butantan, Pasteur e Adolfo Lutz, entre outros.
[button link=”https://www.change.org/p/academia-de-ci%C3%AAncias-do-estado-de-s%C3%A3o-paulo-pelo-repasse-de-1-da-arrecada%C3%A7%C3%A3o-de-s%C3%A3o-paulo-para-a-fapesp” icon=”file-o” color=”red”]ABAIXO-ASSINADO PELO REPASSE DE 1% DA ARRECADAÇÃO DE SÃO PAULO PARA A FAPESP[/button]
A Diretoria da ADunicamp recebeu algumas mensagens sobre o assunto, pelas quais agradece, pois considera fundamental nos manifestarmos sobre assuntos dessa natureza – o que tem sido feito desde sempre. Dentre os posicionamentos que recebemos encontra-se pedido de divulgação de texto do Prof. Hernan Chaimovich, do IQ/USP e ex-presidente do CNPq, nos seguintes termos:
A falta de visão estratégica se espalha pelo país inexoravelmente. A responsabilidade pela reação não se pode limitar a concordar com os Presidentes da SBPC e/ou ABC ou assinar manifestos pela internet. Como cientistas, por dever de ofício, enfrentamos diuturna e criativamente desafios que ajudam a compreender a natureza. A complexidade do desafio de enfrentar políticas suicidas que condenam o país ao atraso, não é maior que muitos enigmas que a comunidade científica brasileira vem desvendando na sua história. O desafio é, pois, enfrentar esta política que crescentemente relega o investimento em ciência para um plano insignificante, criativamente, sem permitir que ao sair do laboratório deixemos de ser cientistas. Em cada Unidade de pesquisa, em cada Instituto, em cada Faculdade os pesquisadores deveriam se reunir e coletivamente construir mecanismos de resistência. Sem resistência a pesquisa, que levou este Estado e o Brasil a ser o celeiro do mundo, a oitava economia global e um ator relevante no contexto mundial, pode simplesmente acabar.
O comentário expressa perplexidade e indignação absolutamente pertinentes, e também há de se concordar que é preciso resistir, no espaço de atuação que cabe a cada instituição e suas respectivas instâncias. Há muito tempo que a ADunicamp, juntamente com seus parceiros mais imediatos no Fórum das Seis entidades que representam docentes, servidores técnico-administrativos e o corpo docente das Universidades públicas paulistas e Centro Paula Souza (F6), vem denunciando ataques desse tipo ao sistema de ensino e pesquisa pública no estado de São Paulo, notadamente no tocante a restrições ou não repasse de verbas já previstas ou negociadas. Agora é a vez da FAPESP. Mas outras medidas dessa natureza já foram tomadas pelo poder público estadual contra seu próprio sistema público de ensino e pesquisa, em anos recentes. Arrolamos a seguir alguns dos exemplos mais significativos.
O primeiro deles remonta ao ano de 2004, quando a proposta de reajuste salarial para as Universidade públicas paulistas foi de zero %, como pode ser lido em Boletim da ADunicamp (de 31/05/2004), do qual destacamos o seguinte trecho:
Cortes no repasse da arrecadação de ICMS (burlando a LDO)
(…) Lembremos, inicialmente, que o governo Alckmin, já neste ano, confiscou 5% de nosso salário a título de “Contribuição Previdenciária”. Este confisco atingiu nossos salários, mas, mais que isto, foi uma “brilhante” tungada no orçamento das Universidades. No caso da Unicamp, este golpe significou reduzir em 3% a quota parte do ICMS. Ou seja, o governo Alckmin conseguiu burlar a própria LDO, aprovada pela Assembleia Legislativa.
Além disto, ofereceu isenção de ICMS na aquisição de bens, mercadorias ou serviços por órgão da Administração Direta, suas Fundações e Autarquias – o que pode beneficiar o governo e até mesmo a Administração das Universidades mas, certamente, trará conseqüências, devido à perda de arrecadação, para o cálculo de nossos reajustes que vem sendo atrelado ao “aumento” do ICMS –. Isto somado a outras isenções fiscais e ao constante descaso do governo estadual diante da corrupção, da sonegação e das renúncias fiscais no Estado de São Paulo faz com que o ICMS não “aumente” como deveria. (…)
A isenção de ICMS referida no Boletim foi instituída pelo Decreto Estadual Nº 48034 (de 19/8/2003) e o assunto foi incorporado à pauta unificada do F6 para 2005 (ver o documento aqui). Como a constituição estadual (Artigo 271) estipula que o orçamento da FAPESP é corresponde a 1% da arrecadação tributária, conclui-se que a redução na arrecadação do ICMS via isenções decorrentes do referido decreto e de outras renúncias fiscais já impactavam negativamente o orçamento da FAPESP desde então – embora isso não fosse tão evidente como agora.
Dez anos mais tarde, num momento em que o Conselho de Reitores das universidades públicas paulistas (CRUESP) voltava a propor índice zero de reajuste, provocando movimento de greve, novo Boletim da ADunicamp (de 04/07/2014) fez uma síntese de questões que já se arrastavam por vários anos e não foram equacionadas até hoje:
Repasses
[O] governador do estado faz de conta que [a questão da greve] não é com ele. Diz que “respeita a autonomia das universidades”. Não é bem assim. Prometeu, por exemplo, em documento assinado, repassar complementação de verba permanente à Unicamp, para implementação e manutenção da FCA em Limeira. Algo da ordem de 45 milhões por ano. Não é dinheiro de pinga. Prometeu, mas não cumpriu. Por isso, falta dinheiro na FCA, que poderia ser usado para gastos correntes, aprimorar a infraestrutura, dar apoio à permanência estudantil etc. Os custos atuais saem do orçamento geral da Unicamp, que ficou como era antes da promessa do governador. (…)
Ou seja, esse dinheiro deixa de estar disponível para atender a demandas do campus de Campinas também. O cobertor ficou mais curto do que já era. Mas não é só isso. O governo do estado não repassa às universidades o que devia, pela legislação vigente. Algo da ordem de 540 milhões em 2013. De 2009 para cá, 2 bilhões!
A cifra da ordem de dois bilhões não repassados pelo governo do estado às Universidades públicas paulistas (de 2009 a 2014) diz respeito à arrecadação de ICMS pago fora do prazo, com as devidas multas e correções. O executivo estadual repassa aos municípios a cota de 25% que lhes é devida desse montante. Mas não faz o mesmo com a cota parte de 9,57 % das Universidades. Em suma: respeita a constituição do estado em relação às obrigações com os municípios, mas não o faz em relação às instituições de ensino e pesquisa. Tal situação perdura até hoje. Não surpreende, portanto, que o alvo direto agora seja a FAPESP (Cf. Boletins do F6: de 7 de junho e de 24 de junho).
A ADunicamp é solidária com todos aqueles que se indignam com os ataques feitos à educação e pesquisa de caráter público, e fará o que estiver a seu alcance para defender o interesse coletivo, do qual faz parte a preservação de instituições de ensino e pesquisa não só públicas e de qualidade, como também socialmente referenciadas – condição fundamental para que se possa falar de uma visão estratégica para o país.
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